Canções de Amor Antigas Nem Sempre Resistem ao Teste do Tempo
Você também escuta hoje umas músicas que cresceu ouvindo e precisa agora reorganizar aquelas informações (porque algumas ideias ali são terríveis)?
Se você é como eu, adiciona aos montes discos recentes e outros antigos na sua coleção do tocador preferido (uso Spotify), a ponto de se perder em meio ao acervo. E, às vezes, naquele momento “que que eu escuto dessa vez?”, eu rolo a tela violentamente até ir lá a algum lugar do passado quando guardei algo pra ouvir em algum lugar do futuro e deixei passar. Dia desses, fiz esse movimento e encontrei uma coletânea que eu mal lembrava que existia chamada If I Were a Carpenter, um disco de versões (algumas legais, outras ótimas) em rock alternativo de músicas da banda The Carpenters.
Se você não teve pais que viveram musicalmente os anos 1970, deixa eu te contar que se trata de um duo formado por um casal de irmãos (Karen e Richard Carpenter) que deixou como legado o mais puro creme da música pop - canções com melodias fáceis e belas que te convidam cantar junto deles, arranjos lindíssimos com aquele refinamento da época e letras que vão ao encontro do que o repertório popular, ao menos aqui no ocidente, espera que se cante sobre o amor.
Eu era adolescente quando (re)descobri os discos da banda que minha mãe escutava quando eu era criança e me desenvolvi como ouvinte de música pop e como, digamos, pessoa com aquelas músicas de romances desesperados, de um eu-lírico sempre à flor da pele cujo mundo pode desabar se a pessoa amada for embora, ou ver o dia clarear se o amor for correspondido. Enfim, são músicas que seguem aquele vernáculo da música pop, que parece sempre pedir músicas que expressam tão bem sentimentos ora ingênuos, ora emocionalmente irresponsáveis.
Faz um tempinho que fiz a decisão de reavaliar meu próprio repertório de músicas românticas à luz de outro repertório - o das ideias acumuladas e desenvolvidas ao longo dos anos. Explicando melhor, à medida que reescuto essas músicas, fico com meu radarzinho ligado tentando identificar como eu hoje entendo esses versos que eu canto desde que eu era criança.
Acontece com Roberto e Erasmo naquela Se Você Pensa (que eu costumo escutar na regravação que Gal fez em 1969, ou naquela que Lulu fez em 1995) e o “quando a gente ama pra valar, o bom é ser feliz e mais nada”. Não que eu não tope a felicidade no romance - veja bem -, mas não me cai bem a simplicidade como “ser feliz e mais nada” se aplica à situação romântica, já que cabe “tudo” no amor, inclusive a felicidade, mas nunca apenas ela. Ou quando Tim Maia canta (e a gente repete no karaokê e nas festas de casamento) que “quando a gente ama, não pensa em dinheiro, só se quer amar”, porque tenho para mim que dá para conciliar direitinho o querer amar e os boletos pagos.
Com The Carpenters, como você pode imaginar, acontece isso direto. Tem a ver com colocar toda a expectativa da vida ser plenamente boa (ser feliz e mais nada, né?) em um relacionamento, “deixando a tristeza para trás” já que há uma nova pessoa para se amar (essa é Only Yesterday). Tem também aquela I Won’t Last a Day Without You que traz, já a partir do título, que a pessoa ali nutriu uma dependência emocional nada saudável com quem se relaciona - mesmo tema de I Can’t Smile Without You, que canta sobre alguém que não consegue fazer nada sem a outra, e que espelha todas as suas emoções no que a pessoa amada sente. Vish, essa me dá calafrios só de pensar.
São versos e ideias que, em 2023, em plena era da informação, são ingênuos de uma forma menos pueril e simpática, e mais imatura e, novamente, irresponsável. Tem umas canções absolutamente lindas ali (We’ve Only Just Begun, For All We Know e Hurting Each Other, por exemplo, são imbatíveis), mas The Carpenters me passa hoje uma impressão muito forte de uma música, olha só, datada.
E aí eu fico pensando se isso já não era a impressão do pessoal que fez a coletânea If I Were a Carpenter, porque tem uma informação aqui que eu guardei pro final de propósito (surpresa!): Aquele disco é de 1994, quase 30 anos atrás - as regravações estão mais próximas das originais do que nós estamos dessas “novas” versões. E o rock alternativo ali daquela época tem naturalmente uma certa ironia que faz com que várias daquelas faixas pareçam ser cantadas com um sorrisinho quase blasé de quem diz “nossa, olha esse exagero todo nessa letra”. Mas talvez nem seja o caso, e as regravações também sejam super datadas por isso.
Sigo acreditando que música (e arte no geral) é sempre eterna, e eu abro sorrisos enormes enquanto canto The Carpenters toda vez que toca, mas sei também que ser pós-jovem é poder realizar esse nosso revisionismo pessoal para darmos conta de entender como nós e o mundo mudamos desde a última vez que tivemos contato com aquela obra. Espero que para melhor, né?
E tomara também que eu não tenha estragado Tim Maia para você. Desculpa qualquer coisa.
Helena Galante, Cadê Você?
A sessão Pós-Jovem, cadê você? está aqui para botarmos o papo em dia com convidados que deram as caras no podcast há um bom tempo. Nesta edição: Helena Galante (episódio #019).
Cadê você?
“Tenho feito muitas coisas muito legais desde a última vez que a gente se falou. Eu continuo com o podcast Jornada da Calma, mas hoje estou cuidando de três marcas: A revista Claudia, a revista Boa Forma e o site Bebê, além da curadoria da seção A Tal Felicidade, da Vejinha. Isso é falando de trabalho, né? Mas, falando da minha vida, o que eu posso contar é que eu casei e mudei de casa. Mudei de bairro, então tem sido uma experiência nova de outros ares, outra vizinhança. E é uma rua bem bonita aqui de São Paulo, então estou feliz. Toda vez que eu saio para comprar pão na padaria vejo gente andando com cachorro, pracinha com criança brincando no balanço… uma coisa bem romantizada, mas, quando eu passo, falo ‘que gostoso que tem isso em São Paulo ainda’. Tenho feito diversas viagens para o sul de Minas, Santa Rita do Sapucaí, vocês já ouviram falar? É onde acontece o festival de inovação Hacktown, que eu participei recentemente mediando uma conversa com a Ana Cortat e Andrea Alvares sobre a reinvenção do sucesso a partir do autoconhecimento. Tenho feito muita terapia também para entender o que é esse sucesso que a gente fica buscando hoje em dia, o que que a gente está chamando de sucesso, né? A que preço, a que custo?”
O que você recomenda?
“Recomendo que todos, por favor, todos conheçam Dr. Gabor Maté. Ele é um médico húngaro-canadense que estuda trauma. Às vezes, lá no passado que a gente nem lembra, fica uma cicatriz psíquica, uma marca na nossa história, e a gente reage a tudo a partir disso. Tem um documentário muito legal sobre o trabalho dele na plataforma Aquarius - um streaming novo só de filmes de autoconhecimento e bem estar - que se chama A Sabedoria do Trauma. E também, do Dr. Gabor Maté, o livro O Mito do Normal, lançado pela Editora Sextante. Fala de trauma, saúde e cura em um mundo doente. Será que todos nós pós-jovens estamos precisando disso? Acho que sim”
Dicas, dicas, dicas!
Something Special (traduzido no Brasil como Amor e Casamento), de Hannah Gadsby [especial de comédia]
Eu espero muito que pós-jovens conheçam o trabalho dessa comediante australiana que, em 2018, chutou todos os baldes com o especial Nanette, voltou a fazer aquela comédia tão engraçada quanto inteligente de antes em Douglas (2020), para contar do diagnóstico tardio de autismo, e nos dá agora mais um stand up de longa duração com suas ideias sobre o amor romântico e a história de como pediu a namorada em casamento. É excelente e um bom complemento ao raciocínio ali de cima sobre as canções do amor. Vale dizer: Todos esses três especiais são da Netflix.
obsoleto futuro [projeto artístico meio brincadeira porque não se leva a sério, mas é legal e os amigos estão gostando, então vale a dica, eu acho]
A insegurança do subtítulo ali denuncia que estou falando de algo meu, não é? Deixa eu tentar resumir: Ando refletindo muito sobre como a ideia de futuro que gerações anteriores viveram é drasticamente diferente da nossa realidade, quando vemos um planeta em chamas e desconfiamos que os próximos anos não serão lá muito promissores para a humanidade. Essa série de imagens brinca com a ideia de que aquele futuro promovido por décadas atrás é tão obsoleto quanto os produtos daquela época. Tem um texto que acompanha o projeto e fala disso tudo de uma maneira um pouco mais detalhada, mas pode só ver as figuras também se você for esse tipo de pessoa (não julgo!). Tá lá no Instagram.
E esse meme aqui, hein?
Já que eu tinha menos dicas hoje, e falei tanto das mudanças entre as décadas, deixo aqui esse email que me arrancou uma risada sincera na semana passada. Ele diz assim:
Como as pessoas pensam que os anos 90 eram/Como eles eram na verdade
Você também concorda?
E no podcast…
Já falei isso algumas vezes no Pós-Jovem e vou repetir o quanto for preciso: Um dos maiores prazeres do meu ofício no jornalismo cultural é poder acompanhar muito de perto como se desenham as carreiras (no sentido de “obras produzidas”, não de “mercado”). Luiza Lian é alguém que eu tive a honra de escrever a primeira notícia de seu primeiro single, em 2015, e pude estar junto em shows, entrevistas e demais ocasiões desde então, e agora temos mais uma gravação legal pra caramba para esse nosso histórico. No podcast, ela vem para falar de arte independente, tecnologia e os temas que a levaram ao recém-lançado (e absurdamente bom) 7 estrelas | quem arrancou o céu?. Foi um papo cheio de ideias, risadas e afeto que eu sei que vai bater bem em você como fez bem para mim.
Bora manter contato!
Em 18 de setembro, daqui duas semanas, vem mais newsletter para você. No meio tempo, vem pro papo no podcast@posjovem.com.br e siga o Pós-Jovem no Instagram e no Twitter.
Como diria a internet por aí: deu gatilho! rs
Taaaanta música da minha adolescência tem uma visão esquisita do amor romântico!
Uma que me veio na cabeça: (Everything I Do) I Do It For You, do Bryan Adams. Uma delícia de cantar alto junto com o cantor, mas sem prestar atenção na letra.