E Longe dos Stories, Você Também?
Apenas mais uma argumentação para dizer novamente que a vida digital nos bagunçou por completo
Acho que é um pensamento muito contemporâneo pensar na vida com uma plateia que nos acompanha a cada passo, decisão ou feito. É coisa de quem já se habituou à realidade de likes e views, de seguidores e tudo o mais que as redes sociais estabeleceram e que nos deixam, de alguma forma, com a sensação de estarmos sempre vigiados.
Era um tanto diferente antes delas. Lembro de ver O Show de Truman e me pegar diversas vezes no questionamento se minha vida também era transmitida a uma multidão sem o meu conhecimento - um fenômeno que, chuto eu, afetou uma parte considerável da plateia do filme quando ele saiu, em 1998 -, mesmo que meu cotidiano daquela época se resumisse a pouco ou praticamente nada além de escola, videogame e leitura (que saudades desse dia a dia!).
Acho que ser pós-jovem é lidar por um lado com a naturalidade de reality shows e redes sociais e, por outro, com a noção de que alguém assistindo à minha vida ficaria bastante entediado (exceto por algum momento embaraçoso e íntimo cometido por seres humanos quando ninguém está olhando)(pensei no exemplo de tirar catota do nariz, mas o que você pensar também é válido).
Mas, voltando aqui, vale a pena trazer o assunto dessa tal sensação de plateia, porque talvez foi só a geração - e/ou nossos contemporâneos de qualquer idade que tenham vivido esse antes e depois das redes - que, pela primeira vez na humanidade, precisou parar e perceber de fato que muito do que nós vivemos é testemunhado só por nós mesmos. Só em uma dinâmica de “fantasia da aparência”, aquela que tenta nos convencer que sabemos algo - quiçá tudo - sobre alguém por termos visto seu feed e seus stories, que nos damos conta de que o grosso ali do dia a dia é vivido apenas em primeira pessoa.
Ninguém vai te ver respirando mil vezes antes de responder um email simpático, ainda que breve e direto, quando o que você queria enviar era outro tipo de resposta. Não vão ver quando você se abaixou para pegar o lixo que caiu fora da lata quando você jogou, e era a coisa certa a se fazer mesmo sem ninguém ali. Mesmo o tamanho do sorriso que você deu quando recebeu aquela notificação de alguém que te faz sorrir - mesmo esse sorriso aí -, ninguém enxergaria que, por dentro, ele era ainda maior.
E aí, quando levamos essa questão para o que se sente, não só o que se faz, a discussão ganha ainda mais força. Porque só você que sabe o quanto te custou tomar aquela decisão (e, quando você tentou explicar, ninguém entendeu exatamente), ou a angústia da lacuna de uma palavra que defina esse sentimento tão complexo que está na sua cabeça, mas que ninguém inventou o nome ainda. E o incômodo de estarmos vivendo a vida real sem plateia nesta era em que todos parecem querer aparecer, ainda que ele seja um desconforto compartilhado, é algo que você e eu passamos sozinhos.
Será que vamos saber lidar com isso? Às vezes, parece que termos vivido esse tal antes e depois faz com que haja um peso, algum senso de responsabilidade, de termos que resolver isso para as próximas gerações. Afinal, é uma mudança e tanto de paradigma, né? Como é que explicamos para quem nasce hoje que, há relativamente muito pouco tempo, o normal era não sabermos o que alguém fez ontem, onde foi e com quem estava?
Nessas, eu fico com O Pequeno Príncipe e “o essencial é invisível aos olhos”. Ou com o meme que diz “quem vê close não vê corre”. No fim das contas, a mensagem é a mesma.
Dicas, dicas, dicas!
PCDPOD [videocast, no YouTube]
Benedita Casé e nosso amigo pós-jovem Pedro Henrique França estão à frente deste projeto que visa debater e dar visibilidade às questões enfrentadas pelas pessoas com deficiência no Brasil - que formam 23,9% da população do país (releia esse número algumas vezes até esse dado fazer todo o sentido e você sacar a urgência de termos esses assuntos em mente). A primeira temporada acabou de sair, com três episódios já disponíveis no dia em que este texto for ao mundo, com muita gente legal falando desde especificidades que algumas pessoas com deficiência enfrentam a outros experimentados coletivamente, como o capacitismo - que nós, como sociedade, precisamos combater.
Esther Perel on Artificial Intimacy [episódio do podcast Your Undivided Attention]
Sempre fico meio assim quando vou recomendar algo em outro idioma, mas isso aqui não só vale ouro como tem muito a ver com o que eu falei acima. YUA é um podcast de tecnologia de dois caras que trabalharam em projetos enormes no Vale do Silício e agora debatem a realidade que nós vivemos por culpa dos produtos que eles ajudaram a colocar no mundo. Esther Perel (já falei dela em algum momento no Pós-Jovem) é uma psicoterapeuta que eu sempre acompanho, ela é especializada principalmente em sexualidade e fala muito de relacionamentos. Aqui, eles fazem uma brincadeira com “inteligência artificial” e falam da “outra IA”, a “intimidade artificial” na era dos apps. Não vou dar spoilers (até porque eu tô com medo de parafrasear alguma coisa de um jeito errado), mas te conto que meu queixo caiu umas três vezes com uns pontos de vista que ela trouxe.
Mil Coisas Invisíveis [disco de Tim Bernardes]
Sim, gente, eu sei que esse disco do ano passado foi recomendado por todo mundo (inclusive pelo Música Pavê) em todas as ocasiões possíveis. Mas eu queria propor aqui justamente a experiência de reescutá-lo se faz tempo que você não coloca esse para tocar. Eu mesmo ouvi relativamente pouco esse álbum quando ele saiu - 2022 foi um ano de muitos temas urgentes dentro de mim e ao meu redor, então eu sabia que ele teria outros significados e forças depois. E tem mesmo. Escutar Mil Coisas Invisíveis hoje é admirar não só a beleza absurda dessas canções, mas também o quanto é bonito ter contato com uma obra tão franca. Minha sensação ao reescutá-lo é quase como ouvir um podcast sinceríssimo (do jeito que nós aqui gostamos), em contato com a humanidade do artista sempre em primeiro plano. Que delícia. A propósito: 1) É cedo demais apontar Última Vez como uma das melhores canções desta geração? 2) Nem imagino o orgulho do papai Mauricio Pereira toda vez que dá play nessa.
E no podcast…
Tem vezes que o Pós-Jovem tem episódios muito bons, e tem outras que eu nem acredito o quanto aquele papo está um absurdo de tãobomqueeunãoqueroqueacabe, sabe? É o caso do papo com Guil Anacleto, ator que acabou de fazer sua estreia em novelas como o Bartô, da novíssima Fuzuê (novela das 7 que estreou na semana passada). Não é sempre que um convidado vem ao podcast contar que não teve tempo de ter crise ao fazer 30 anos porque estava realizando seus sonhos.
Gravo dois episódios nesta semana (se tudo der certo!). Um é com um documentarista que trabalhou em um filme que eu sei que muitos ouvintes do PJ já viram, e está com um lançamento fresquinho dentro do mesmo universo (se eu falar um pouco mais, um pouquinho só, já vira spoiler). Já o outro é com um perfil de profissional que quase não aparece por aqui, mas que eu quero que seja cada vez mais frequente no nosso elenco de convidados.
Bora manter contato!
Em 04 de setembro, daqui duas semanas, vem mais newsletter para você. No meio tempo, vem pro papo no podcast@posjovem.com.br e siga o Pós-Jovem no Instagram e no Twitter.
Me pergunto se a gente é a última geração a passar por esses questionamentos de vida real X virtual. As galera que veio depois naturaliza tanta coisa - pro bem e pro mal também. Nós, Pós Jovens, talvez vivamos essa eterna transição 🤷♀️