Esse Aqui É Sobre "Gostar de Alguém"
Há quanto tempo você, pós-jovem, não escuta alguém usar essa expressão?
Faz um par de meses, acho, que estava em uma conversa (nem lembro com quem) e me perguntaram: “Como anda seu coração?”. Ri na hora, disse que não escutava uma pergunta assim desde o ensino médio, aquela época em que não só sentíamos essas coisas como também tínhamos tanta vontade de falar delas. E fui surpreendido novamente quando, dia desses, me ouvi dizer dentro da minha cabeça: “Acho que estou gostando de alguém”, o que gerou uma nova viagem no tempo àquela época, mas dessa vez sem ter outra pessoa para culpar pela ingenuidade, ou cafonice, da situação.
Entrei aqui em uma espiral de discussões internas sobre as palavras e os sentimentos que elas descrevem, e quais lugares que essas conversas ocupam na minha vida hoje, estando solteiro aos 39 anos - e é claro que ninguém chega a essa idade sem uma baita cota de palavras e sentimentos descritos ao longo da história. E confesso que me perceber dizendo que estou gostando de alguém não estava em minhas expectativas para 2024 (ou nos meus planos).
É claro que sinto e expresso diversos afetos ao longo dos meus dias. Por exemplo, faz uma semana e pouco que causei discórdia intencionalmente entre o pessoal que está nos meus “melhores amigos” da rede social dizendo que tinha tido um sonho carinhoso com uma pessoa dali e ainda estava apaixonadinho. Note como o diminutivo denota a falta de seriedade da situação. Fiz questão de afirmar que não ia dizer quem era para que todos ali convivessem com essa dúvida do “será que era eu?”. É o tipo de coisa que me faz rir. E é também o preço que se paga por ser meu amigo. A propósito, ela ainda não se manifestou (mas vários perguntaram “era eu?”)(mas já passou!).
Quantos platonismos cabem em nosso dia a dia? Só quem usa transporte público, inclusive, sabe o que é a paixãozinha dos olhares que se cruzam (ou não) e que dura alguns pontos de ônibus ou estações de metrô. A vida digital expandiu nossas possibilidades de sentir algo por alguém porque a oferta de alguéns cresceu absurdamente, ainda mais gente que faz questão de se mostrar bonita e/ou interessante. Ou seja, estar ali é conviver com desejos e com projeções o tempo todo - ou, em um linguajar mais popular ainda, é ter sempre vontades de se envolver com alguém(ns). Mas não é disso que estou falando quando digo estar gostando.
Fiquei pensando em um sinônimo, mas nem tanto, que é mais comum no meu cotidiano, que é dizer: “Estou a fim”. Ou seja, existe aí uma expressão de finalidade, que você pode entender tanto como intenção, quanto como alvo. Serve para falar de um lance casual e bastante sexual, mas também pode ser usado para expressar o desejo de estar com alguém para todo o sempre que for possível - como estar a fim de casar e ter filhos, se esse for seu objetivo.
Mas acho que é aí que o gostar de alguém tem seu lugar muito próprio na linguagem e no nosso repertório de vida. É um encanto, é um fascínio, é um querer o bem para aquela pessoa sem necessariamente ter uma finalidade. É um tipo muito próprio de afeto que pode se encerrar em si mesmo. Você gosta daquela pessoa, mas isso não implica em um movimento nem sexual, nem de compromisso com matrimônia. É algo interno, pessoal e naturalmente momentâneo, e talvez por isso seja comum o estou gostando no gerúndio (vale para agora, talvez não exista no futuro). É especial porque me lembra do primeiro contato que tive (ou tivemos) com o amor: A ingenuidade de sorrir ao perceber que alguém tem esse efeito sobre mim.
É uma realidade muito alheia à vida pós-jovem, quando já se viveu tanto no que diz respeito a esse assunto, entre relações e não-relações, inícios e términos, paixões incendiárias e arrependimentos rancorosos. Falo por mim e por tanta gente ao meu redor com quem troco sobre o tema, e entendo a importância de pensar nas palavras que usamos porque há muito sendo dito o tempo todo, mas são assuntos subjetivos demais que cada um está vivendo do seu jeito, mesmo se usar as mesmas frases.
Tem quem diga “eu te amo” com facilidade e existem também aqueles que aprenderam com Hollywood que essa frase faz parte de um jogo de troca e de poder. Ouvi uma amiga ficar ofendida quando usaram o verbo “pegar” para comentar o envolvimento que ela estava vivendo. Já vi gente chamar o mesmo aplicativo de “de namoro” e “de pegação”. Tem a pessoa que se sente inadequada na sociedade se não estiver ao lado de alguém, e há quem questione não só o “pertencer” que está ligado às relações, mas a ideia de “identidade” que colocamos nelas.
E ser pós-jovem é também conviver com a multidão de significados que estão por trás das vivências afetivas que nos rondam. 2024 é o ano em que pude ver dois casais de amigos que amo mais do que posso expressar aqui se casando. E também, dia desses, uma amiga me confessou que se sente culpada por ser monogâmica nesse ambiente cultural que vivemos. Ainda escutei outra confissão faz uns meses de alguém que dizia ter como seu maior medo o “morrer sozinha”. Tanta gente vivendo tanta coisa sob esse tema, não é à toa que a ficção explore tanto o assunto.
Falando nisso, terminei de rever Fleabag (quinta vez, acho) agorinha. E aquele discurso no último episódio (não quero dar spoilers, mas você já teve cinco anos para ver a série), que diz que o amor é um tipo de esperança, me trouxe de volta a esse lugar imaginário, carinhoso e até infantil que é gostar de alguém. A mesma cena fala de coragem, de dor e até de insegurança nos sentimentos trocados com outra pessoa, que são uma perspectiva bem mais realista do que é se envolver na nossa idade, mas termina na esperança - e o olha que a primeira frase ali é “o amor é horrível”.
Que interessante é acessar esse lugar adolescente e ingênuo para dar-se conta de que ainda há coragem de sentir algo por alguém, mesmo com toda a complexidade do nosso repertório, mesmo se não há finalidade alguma nessa dinâmica. É cafona e é terrível, mas é também um respiro muito bem vindo em meio a tudo o que esse assunto evoca hoje em dia.
E no podcast…
Que pessoa interessante é Thiago Castanho. De um lado, o cara é um cozinheiro que tem levado por todo o Brasil e afora os sabores da culinária paraense. Por outro, é um cara da comunicação, dos programas de televisão e do YouTube. E ainda tem um terceiro lado no qual o esporte como grande parte da sua identidade, como ele contou nesse papo delicioso no podcast, que nos permite conhecer ainda mais dele e de sua vida pós-jovem. Episódio sai nesta terça, 09 de julho.
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Quando a gente para e pensa "eu acho que estou gostando de fulano/fulana" é a melhor sensação do mundo.
🤩
Adorei o texto.
Um beijo.
Adoro suas reflexões! Mas o que mais me chocou mesmo foi saber que Fleabag já tem 5 anos haha Vou rever em breve, aguarde os recaps diretamente no seu WhatsApp 😉