Gostou de "The Bear"? Sinto Muito.
É complicado demais perceber que você se identifica tanto com uma série sobre pessoas tão problemáticas
Aí ela virou e me disse assim: “Tô terminando a primeira temporada, mas até agora não vi graça nenhuma na história”. E eu sorri largamente, pensando “nossa, deve ser muito bom não ser perturbado das ideias”.
The Bear é uma série cuja segunda temporada estreou há pouco - você pode vê-la no Star+, e eu prometo que este texto será livre de spoilers -, dando sequência aos muitos e devidos elogios que recebeu em sua primeira. Ela conta a história de Carmy, chef prodígio e premiadíssimo que abandona o sonho conquistado para voltar à cidade natal (Chicago) e assumir o falido restaurante do irmão, após sua morte. Nós, do lado de cá, somos inseridos no ritmo frenético de uma cozinha profissional ora por cenas com muitos cortes, ora ao transitar por aquele espaço sem corte nenhum para compreendermos, ou sentirmos, que há sempre muito acontecendo - seja na cozinha, ou na cabeça dos personagens.
E é aí que eu retorno à amiga que veio sedenta ver a série que todos elogiaram e não viu lá tanta graça assim naquela narrativa. The Bear retrata com uma precisão muito sensível (ou uma sensibilidade muito precisa?) a mente agitada, o coração que não sabe nem por onde começar o que sentir e uma implosão de desejos e angústias acumulados pelo tempo. Tem a ver com ambientes hostis e famílias complexas (ou vice-versa?) e os indivíduos que sobrevivem a tudo isso, além do custo que se paga com saúde mental para enfrentar todas essas questões ao mesmo tempo. E ele é alto, viu?
Esta segunda temporada escolheu muito bem dosar esse ritmo todo, principalmente no início, mostrando mil problemas enfrentados pelos personagens, mas de uma forma um tanto mais serena, nos permitindo algumas distrações (como um breve arco em Copenhague). De repente, somos confrontados com aquele episódio em flashback que nos relembra de uma vez por todas que todos os problemas enraizados daquela família continuam ali, na base de tudo, o que estabelece uma tensão presente em nosso olhar até mesmo quando tudo está dando certo.
Mas tem uma coisa aí que eu, que vim tanto do audiovisual quanto da arte, fico sempre deslumbrado que é essa sensação presente ao ver a série, como se sua história fosse mais percebida, ou sentida, do que acompanhada de uma forma lógica, linear ou objetiva. Em outras palavras: A maneira como The Bear é feita quer mais te fazer sentir aqueles acontecimentos do que apenas te relatar os acontecimentos. E, nossa, quanta coisa dá pra sentir vendo essa série.
Primeiro, é o desespero de ser confrontado com aquela alta pressão e velocidade naquele ambiente que por si só já seria muito estimulante, com tantos sons e cores (e cheiros e gostos, ainda por cima). É igualmente desesperador, e um tanto claustrofóbico, perceber como os personagens repetem padrões de autodestruição em suas vidas, das escolhas que fazem à maneira como se comunicam.
Em paralelo, e em um grau interpretativo mais alto, é muito interessante como a série (ainda mais nesta segunda temporada) retrata a comida como um legado familiar, ao mesmo passo que desconstrói nossa noção de memória afetiva quando a refeição em família nos afeta negativamente. Que pesado é viver isso.
Tem também aquilo de sonhos muito altos porque parece que foram criados para dar errado (novamente, a autodestruição), como se eles ali mirassem muito alto porque esperam (desejam?) o fracasso. E quando dá tudo certo, tem mais um tantão de coisa dando tudo errado ao mesmo tempo (não, isso não foi spoiler).
E é por isso que é tão interessante ver The Bear não só pela série em si, mas por perceber-se como um espectador acompanhante, uma espécie de parceiro que não apenas observa, mas também participa desses sentimentos todos. Tem episódio que, quando termina, você está cansado, ou temeroso, ou completamente pilhado. Aí, se dá conta que eles lá na série também estão assim.
Só que esse envolvimento todo, é claro, não nos distancia de uma postura crítica que aparece frente a escolhas, palavras e atitudes dos personagens. E é muito curioso pensar que alguém, dentro de sua vivência em primeira pessoa, experimenta seus desejos e angústias, mas uma plateia aqui do lado de fora que te vê fazer essas escolhas, mesmo quando sente algo muito próximo, pode discordar do que testemunha.
E deve ser muito bom ver The Bear com uma mentalidade fresca, mais tranquila, como a amiga citada lá no início que, diante disso tudo, não se envolveu com a história, só admirou a produção. Mas, olha, acho que é melhor ainda ver a série com esse grau de perturbação todo. Sinto que ela foi feita pra quem se identifica com uma panela de pressão interna que não para de apitar, ou para quem conhece bem as dinâmicas de desmoronamento e soterramento emocional. Enfim, The Bear é para os fracos.
Eduardo Praça, cadê você?
A sessão Pós-Jovem, cadê você? está aqui para botarmos o papo em dia com convidados que deram as caras no podcast há um bom tempo. Nesta edição: Eduardo Praça, o Apeles em pessoa (episódio #016).
Cadê você?
“Estou exatamente na fronteira do passado com o futuro, ter terminado meu novo álbum após longos 4 anos tem sido um lugar delicioso de frio na barriga com satisfação, acho que esse é o momento mais empolgante da jornada ❤️”
(Por falar nesse novo álbum dele, escrevi sobre o clipe de Magical/Rational dia desses no Música Pavê)
O que tem te feito bem?
“Vídeos do Martijn Doolard no YouTube renovando uma cabana num alpe na Itália. Espero semanalmente pelo episódio novo e fico vislumbrando essa vida pacata”.
O que você recomenda?
“Cillian Murphy's Limited Edition, programa de rádio desse homem da voz aveludada na BBC6. Curadoria impecável, histórias incríveis e o sotaque simpático irlândes à vontade”
Dicas, dicas, dicas!
Pra quem já viu The Bear: Resenha por Isabela Boscov [vídeo no YouTube]
Voltando ao assunto, quero deixar este link para quem já terminou a série e quer escutar pontos de vista mais específicos sobre a temporada. Isabela, como de costume, oferece um olhar tão sagaz quanto sensível (duas palavras chave para entender The Bear) para o arco dramático desses dez episódios. E se você não termina uma série ou filme e corre direto pro YouTube ver o que ela tem a dizer, eu não sei o que você está fazendo com seu plano de dados de Internet.
E no podcast…
O episódio desta semana tem muitas intersecções com o que eu disse ao comentar a série - e, ironicamente (talvez?) é com um ator. Ítalo Martins veio para uma visita depois que nossa amiga Gabi da Pele Preta falou no episódio 200 que ele precisava passar por aqui. Mais uma vez, ela estava certíssima. Não sei direito como resumir o papo, porque é um daqueles episódios que vai do tudo a todos os lugares, mas espere uma perspectiva muito bonita sobre o ofício do ator, também comentários sobre a sensibilidade dentro do que nossa cultura conta que é “masculino”. Pode confiar, está imperdível.
Comentei com alguns amigos nesses dias que tem sido bastante frequente eu comentar com muito entusiasmo cada episódio do PJ que está pra sair. Que coisa boa isso de poder seguir muito empolgado depois de tanto tempo (e tanto assunto).
Bora manter contato!
Em 16 de outubro, daqui duas semanas, vem mais newsletter para você. No meio tempo, vem pro papo no podcast@posjovem.com.br e siga o Pós-Jovem no Instagram e no Twitter.
Nossa, sim. Adoraria ser as pessoas que olham com distanciamento e só comentam "que trilha sonora boa, né?". Em geral eu termino em posição fetal emocionalmente kkkcrying
O comentário que sempre acho curioso é o popular "nossa, quero trabalhar em um restaurante" depois de ver The Bear.
Pq pra metade das pessoas dá vontade de perguntar: "você tava assistindo a mesma série que eu?", mas a outra metade dá pra entender, pq a série passa essa sensação de que a cozinha é o lugar em que essas pessoas quebradas se encontram e fica parecendo que é a resposta pra gente também.