As pessoas ainda publicam a hashtag “sem filtro” nas redes sociais? Mesmo se faz algum tempo que você não lê isso no Instagram, você deve se lembrar que era o jeito do pessoal dizer “olha que bonita que ficou essa foto, mesmo sem um recurso artificial”. Mas - e eu vou te convidar a viajar um pouquinho comigo (você quer, eu sei) - tem uma outra possibilidade de leitura dessa frase, que é a do “uau, que surpresa, as coisas do jeito que elas são naturalmente já são belas o suficiente!”. Assim, a gente desloca a atenção da artificialidade (os efeitos digitais) e se concentra mais no que é natural, ou na vida real mesmo.
Mudando um pouco de assunto (mentira, é que eu não tava conseguindo achar um bom conectivo pra começar esse parágrafo), percebi que eu leio cada vez menos ficção. Isso já tem uns anos. E, quando leio, quero encontrar alguma coisa bem “a vida como ela é”, sabe? Quanto maior a verossimilhança, melhor. Absolutamente nada contra a ficção de cunho fantástico, por exemplo, mas, em meio ao meu dia a dia de questões tão humanas, o que tem me trazido satisfação é acompanhar as questões de outros humanos.
Lembro de uma psicóloga que me acompanhou há um tempo e, em um de nossos primeiros papos, ela perguntou que tipo de conteúdo eu costumava consumir. Eu falei, falei, falei, dando uns exemplos aqui, conceitualizando um pouco ali, e ela logo matou a questão, resumindo na belíssima frase: “Ah, sim, você gosta de ver a vida dos outros”.
Bom, depois da psicóloga abençoar, criei o hábito de tirar um tempinho quase todos os dias e observar um pouco as coisas que os outros têm para contar (para além dos muitos podcasts que escuto toda semana). É o fim de noite clássico aqui em casa: Sofá com meu cachorro (melhor companhia que há) e YouTube na TV. Esses encontros com as vidas dos outros têm me feito muito bem, e eu vim aqui te contar por que (finalmente, já tinha gente achando que esse texto inteiro seria apenas introdução, sem desenvolvimento).
Algumas das melhores risadas que dei nesses últimos anos foram assistindo a Que História É Essa, Porchat?, do GNT/Globo - e eu sou muito grato que a empresa da família Marinho disponibilize todos os programas no YouTube. Se você nunca viu, Fábio reúne convidados que contam experiências que tiveram dos mais variados tipos, entre histórias de viagens a relatos de assaltos curiosos, e ainda tem histórias da plateia igualmente ótimas.
É engraçado demais, mas também é humanizador, e tem aí um paralelo muito grande com o Pós-Jovem. É Xuxa falando de caganeira, Sandy interessada em ver Britney Spears pelada e tantas bebedeiras, gafes e trapalhadas cometidas por globais, ao ponto de tudo ir de encontro com o que vimos a vida inteira naquelas revistas nas salas de espera dos consultórios. É tudo gente como a gente sim.
Tem também um outro canal que é obrigatório aqui nas nossas noites de sofá e vida dos outros que é o estadunidense CUT (que, até onde eu sei, não tem filiação nenhuma com movimentos sindicais daqui do Brasil). Conheci seu trabalho há muitos anos com uma série de vídeos que mostrava crianças conversando com adultos, entrevistando diferentes pessoas (de deficientes físicos a ex-presidiários, por exemplo). Desde então, o canal tem se concentrado em alguns jogos que eles promovem dentro de uma ideia muito específica, que é: Há muitas maneiras de ser gente nesse mundo.
Um dos meus programas favoritos deles chama Line Up, do qual os convidados precisam analisar uma fila de pessoas e, seja pela aparência ou por algumas breves interações, deduzir algo sobre elas (seja quanto tem de grana, quantos parceiros sexuais já teve ou até sua ancestralidade). É claro que as aparências costumam enganar, e as surpresas são sempre tão maravilhosas quanto as confusões das pessoas que querem acertar, mas estão ali fadadas ao fracasso.
Cá entre nós, tem duas alternativas a esse CUT que eu acompanho de leve. Uma é a famosíssima Jubilee, que tem a mesma proposta, mas em uma pegada mais sensacionalista (ao meu ver). E a outra é a brasileira Mescla, que, digamos, se inspirou muito nessas duas referências gringas e já produziu algumas coisas bem bacanas (principalmente quando ousou ser mais autêntica).
O que todos esses projetos têm em comum é nos dar alguns minutos toda semana que nos relembram que ser humano é sempre complicado. Em um tempo tão marcado por divisões sociais, no qual a discordância é vista como rivalidade, tem me feito muito bem olhar para a vida assim, do jeitinho como ela é, e poder sorrir sendo lembrado que cada um é de um jeito, mas todos nós temos alguma vergonha, muitas dúvidas/confusões e alguma coisa para contar que faria o outro rir.
Por falar nisso, “sem filtro” é também algo que se diz quando uma pessoa se expressa com sinceridade, né? Mais do que gostar de ver a vida dos outros é se satisfazer com quem se deixa conhecer na honestidade, expressando as tais dores e as tais delícias de ser quem é. Esse nosso tempo está muito marcado pela curadoria de si, é mais do que necessário irmos atrás de oportunidades de contato com gente #semfiltro. E como é maravilhoso ver gente sendo gente, né?
E, para ilustrar um texto sobre “gente de verdade”, uma imagem feita digitalmente, com pessoas que não existem, porque a contradição faz parte da beleza disso tudo.
Camilo Solano, cadê você?
A sessão Pós-Jovem, cadê você? está aqui para botarmos o papo em dia com convidados que deram as caras no podcast há um bom tempo. Nesta edição: Camilo Solano (Pós-Jovem #121 e também #170)
Cadê você?
“Tô em São Manuel! E muitas vezes também em São Paulo. Estive em Santos e bati um papo com o Senhor Barriga! É serio. Hahaha. Estive produzindo meu Single Desculpa o Áudio, que também é clipe e também é uma HQ! Sai agora no final do mês na CCXP!”
O que tem te feito bem?
“Estive maluco em cima desse projeto Desculpa o Áudio pra preparar bonitinho tudo, que ano que vem começa a produção de um álbum e uma outra HQ”
O que você recomenda?
“Recomendo Doctor Who. Voltei a ver a série. É longa, tem uns episódios cansativos, mas, puxa, é muito bom. Recomendo mais uma coisa, pode? Recomendo Tuca Oliveira. Meu amigo e parceiro da música é ‘brabo’ demais. Coisa linda de se ouvir.”
Dicas, dicas, dicas!
The Old Man in the Pool e The New One, de Mike Birbiglia [especiais de comédia, ambos na Netflix]
Deixa eu fazer um parênteses aqui antes? Eu desconfio que gente que não é muito ligada em comédia pode ter uma ideia de stand up que se resume a uma pessoa no palco falando qualquer coisa ao microfone. Isso existe assim mesmo, essa noção é plenamente justificável. Em paralelo, existem comediantes que optam por trabalhar em um longo formato, uma narrativa que se constrói aos poucos, enquanto damos nossas risadas. Todas as vezes que eu indico um “especial de comédia” por aqui, é desse segundo grupo.
Mike Birbiglia é um cara que eu gosto muito de acompanhar (seu podcast Working It Out é um prazer pra todo fã (nerd) de comédia) e seu especial mais recente é tão bom quanto o anterior. O comediante é sempre muito sensível, muito humano, muito vida real (já que estamos no assunto) e fala com uma simplicidade invejável de sentimentos e pensamentos bastante complexos. Esse novo é sobre ele, aos 44 anos, confrontar sua mortalidade. O anterior, The New One, sobre os conflitos emocionais que a chegada de sua filha ao mundo lhe fez passar. Assuntos pós-jovem demais sendo bem desenvolvidos (e ainda por cima é divertido de ver).
No Podcast…
Sempre dou risada quando alguém fala “que chique” ao ficar sabendo quem vai estar no pós-jovem no próximo episódio, mas desta vez eu vou ter que concordar. Xenia França bateu um papo ultra sincero sobre autenticidade e expressão na arte, além do significado de seu Em Nome da Estrela ter recebido o Grammy Latino de “Melhor Álbum Pop em Língua Portuguesa” - o episódio foi gravado uma semana após a cerimônia. De fato, chique.
E Já que Estamos Aqui…
Vem cá, talvez você não saiba, mas o Pós-Jovem é o “irmão caçula” do Música Pavê, um projeto que comecei em 2010 e está até hoje comentando, analisando e apontando o que acontece na música, na arte e no mundo. Sem exagero, só existe Pós-Jovem porque existe Música Pavê - é por conta dele que gente como Xenia França vem parar no podcast. E o MP tá, pela primeira (e provavelmente última) vez realizando um financiamento coletivo para pagar uma troca de servidores, renovação do domínio e demais custos operacionais do site, do podcast e duas novidades que estão por vir (newsletter e uma série de vídeos). E eu tô aqui te convidando a dar uma olhada porque: 1) É um projeto bacana, que tem sido legal há 13 anos, e precisa dessa ajuda para se manter no ar (e se manter bem); 2) As recompensas são massa mesmo, feitas, inclusive, por velhos conhecidos nossos; e 3) Apoiando o MP, você apóia também o PJ. Não é indiretamente não, é bem um apoio bem direto, bem objetivo, porque quanto mais o Pavê cresce, mais o PJzinho vem na cola. Dá uma olhada (e, se puder, compartilha com a sua rede?): catarse.me/musicapave.
Bora manter contato!
Em 11 de dezembro, daqui duas semanas, vem mais newsletter para você. No meio tempo, vem pro papo no podcast@posjovem.com.br e siga o Pós-Jovem no Instagram e no Twitter.
Eu sei que você só falou de coisas profundas, mas eu queria dizer que ri só de lembrar da história da Heloisa Perissé no Porchat. Talvez esteja no meu top 3, junto do padre cagão e das meninas na festa do Huck. Só pérolas.