Muito Isso para Ser Aquilo (e Vice-Versa)
Ou "a paz de desencanar do que esperam que você seja"
Presto muita atenção nas palavras que as pessoas usam para se descrever, e mais atenção ainda na intenção que elas têm de serem conhecidas por essa ou aquela característica - como se fosse possível toda uma identidade caber em um par de palavras. Fico então sempre com um pé atrás sempre que alguém quer ser visto muito como totalmente isso ou literalmente aquilo, pensando em quantos outros adjetivos estão escondidos (intencionalmente).
Falo isso no entendimento que existem muitas maneiras de ser, e essa situação me chama atenção por apresentar uma experiência de vida muito diferente de quem eu sou. No meu caso, e também de muita gente que conheço, não cabe essa ideia de identidade resumida, pré-formatada, até mesmo curada. O que temos é a inevitabilidade do ser (e o problema, muitas vezes, está bem aí).
Em outras palavras, quando eu olho para minha situação de indivíduo, o que eu percebo é uma enorme soma de características que eu mesmo acho que nem sempre combinam, mas estão ali e eu não consigo ignorá-las. Sou do tipo de gente que olha para o autoconhecimento não como uma fotografia a ser analisade, com tudo que é meu enquadrado, em foco e pronto para ser visto, mas como um colecionador que encontra e guarda cada vez mais itens em seu acervo.
Ao olhar para a coleção como um todo, a partir da soma do que está ali, talvez alguém olhe e fale: “Esses itens juntos assim formam uma blablablá”. Outro especialista, com outro repertório e outro tipo de análise, chega e diz: “Quando uma coleção é assim, damos o nome de lalalá”. Mas, para mim, o colecionador, é simplesmente a minha coleção. Entende?
A esse ponto do texto, vale a pena responder a pergunta que paira no ar: “E por que estamos tocando nesse assunto”, ou, se preferir, o bom e velho “tá, mas e daí?”. E o que eu tenho para dizer é bem simples e direto (diferente dos parágrafos acima)(desculpa!): Entender isso me deu uma paz muito grande. Porque, se você notar no exemplo das coleções ali, estamos falando sobre como o outro chama aquilo que vê em nós, independente do nome que nós damos para o que somos.
Quando eu penso na minha história - ou na coleção que eu comecei há tantos anos -, eu observo sempre alguém que era muito X para ser Y e muito Y para ser X. Isso ao olhar do outro, né? Porque, para mim, eu era um tanto esse e um tanto aquele, simultaneamente, mesmo se alguém achasse difícil entender essa soma - em outras palavras, me achasse contraditório por ser assim.
Deixa eu dar dois exemplos bem bobos. Eu comentei no episódio “Fazer Novas Amizades” (#186) de um cara que olhou para mim e perguntou: “Você curte games?”. E eu disse que contaria outra história parecida em breve, mas me esqueci (era no episódio com Cirilo Becher, vou contar no #190, que sai nesta semana!)(Torce aí pra eu não esquecer!), mas era basicamente isso também, de olharem para mim e falarem “você certamente é nerd”. Para quem não é nada geek, eu sou sim. Mas, para os meus amigos nerds, eu sou super de outro rolê.
A outra situação é um estresse que eu passei há uns anos e compreendo ele melhor hoje, que era como trabalhar com música me fez ser “o cara da música”, embora eu não me visse assim. Digo, entendo que música faz muito parte da minha vida (na minha coleção, muito ali é musical), mas minha identidade vai bem além disso. Toda vez que alguém falava “é que você é um cara da música”, eu me sentia como alguém estivesse me colocando uma característica muito absoluta que não resume quem eu sou. Teve uma vez, inclusive, que uma das minhas melhores amigas viu alguém falar assim comigo e interveio, dizendo que eu era mais de games e de cachorros do que de música (e, ao olhar pro meu tempo livre, vejo que ela tem razão).
Mas é isso, a gente estabelece padrões e comparações e isso não está errado. Mas não sei também se está lá tão certo. Isso se agrava quando o olhar do outro direciona quem entendemos que devemos ser. E, agora que eu toquei nesse assunto, reconheço aqui que não tenho repertório suficiente para dissertar sobre isso. Mas vou falar do que eu conheço em primeira pessoa.
Há uma paz que eu fui sacar ao longo do tempo que é a de compreender que não preciso caber nas palavras dos outros, até porque cada um tem seu próprio vocabulário, padrões e expectativas de alguém X não poder ser Y. Se guiar sempre pelo olhar do outro é também se culpar por nossas naturais incongruências.
E é aí que eu preciso voltar ao episódio #140, com a psicanalista Amanda Mont’Alvão, autora do livro “Psicanálise e Contradição” (que eu mega recomendo!). Porque estar em paz com a noção de que eu tenho minhas muitas contradições tem muito a ver com a paz de não atender as expectativas de coesão que o outro tem, dentro do vocabulário dele, para mim.
Beleza, mas, e aí, como eu me descrevo? Sinceramente, nem sei, morro de preguiça. Mas fico animado quando alguém mostra ter interesse em conhecer mais da coleção. E, é claro, esse processo todo me faz repensar muito como eu enxergo as pessoas dentro da maneira como elas se deixam conhecer por mim. E olhar bem as coleções, as nossas e as deles, leva tempo.
Pois então, quando alguém vem e se descreve em duas, três, ou mesmo quatro palavras, às vezes até em tom de quem tenta me convencer disso, escuto e anoto tudo para conhecer melhor essa pessoas. Mas, admito, fico na torcida para que ela esteja em paz para ser tudo aquilo que vejo nas entrelinhas, seja contraditório ou de acordo com a narrativa que acabei de ouvir.
Oga Mendonça, cadê você?
A sessão Pós-Jovem, cadê você? está aqui para botarmos o papo em dia com convidados que deram as caras no podcast há um bom tempo. Nesta edição: Oga Mendonça (episódio #017).
Cadê você?
“Estou passando uma temporada na Argentina (me lembrei de quando você falou da sua viagem pro Chile, né?). A Maíra, minha companheira, veio trabalhar aqui e, como eu posso trabalhar de qualquer lugar, estou terminando agora uma temporadinha de três meses em solo porteño. Uma das minhas promessas durante a pandemia era que não deixaria passar nenhuma oportunidade de ficar longe de casa. Ano passado, consegui fazer uma temporada de três meses em NYC, agora estou fazendo aqui…estou sendo um cara que honra compromissos comigo mesmo! (Risos)”
O que tem te feito bem?
“Como estou aqui em Buenos Aires ainda, tenho adorado ver e viver a cultura latina de forma geral, principalmente tentar entender esse povo através de seus livros, gibis, músicas… e, é óbvio, tentando interagir com eles. Cada vez eu fico mais chocado o mal que faz pra gente, brasileiros, não dominar o espanhol, não aprender na escola e não ter este intercâmbio com os hermanos. Isso porque eu acho que Buenos Aires é um lugar com uma diversidade muito baixa. Em outros países latinos, como Peru e Colômbia, deve ser ainda mais interessante, sacar as diferenças culturais, principalmente da parte da cultura que não foi tão afetada pelo colonialismo”
O que você recomenda?
“Que pena, pois uma das experiências mais legais da Argentina, as pessoas teriam que vir aqui… a visita ao Ex-Esma, que foi uma escola técnica militar de mecânica que foi usada como aparelho de tortura e extermínio por militares durante a ditadura, ou o espaço Teatro Ciego, onde você tem a experiência de ver e experimentar uma peça teatral e um jantar cego, ou seja, no escuro absoluto. Masssss pra não dizer que só dei dicas impossíveis, darei duas dicas possíveis de encontrar:
1_ Série Argentina, bem leve, daquelas que dá pra ver na hora do almoço: Divisão Palermo, tá na Netflix! Vibe The Office, Brooklyn 99…
2_ qualquer quadrinho da Power Paola. Ela é equatoriana, mas é super conhecida aqui, e já foi publicada no Brasil pela Lote 42 - o último que saiu no país é o Todas as bicicletas que eu tive. Eu li em espanhol, mas não vejo a hora de por as mãos na minha edição em português”
Dicas, dicas, dicas!
Para dar Nome às Coisas: Episódio S05E187 - Resistir à tentação de personalizar as pessoas [podcast]
Bora voltar um pouco ao assunto de como as pessoas são? Nesse episódio super recente, nossa amiga Natália Sousa (#067) verbalizou muito bem o tal do lado de lá do que eu contei no começo da newsletter - ou seja, como é quando nós é que fazemos as vezes do outro e tentamos escolher como as pessoas deveriam ser. Super sensível (como sempre), e, creio, mais um bom encorajamento para continuarmos nesse assunto.
Seiva, de Mae Martin [especial de stand up]
Se você não conhece Mae Martin, pode ir lá na Netflix ver esse especial que saiu recentemente, mas eu acho que vale a pena dar uma olhada no Comedians of the World, série da mesma plataforma, para sacar melhor quem é essa canadense que mora na Inglaterra (vale muito a pena, esse tem só meia horinha e também é ótimo). Nesse novo show, Mae disserta sobre vários assuntos que estão presentes em sua vida pós-jovem com um olhar muito sagaz e honesto. É beeeeeem bobinho em alguns momentos, mas a maneira como ela estabelece a narrativa é impressionante.
dançando sem ninguém ouvir, de bule [disco]
Quando eu gravei o podcast Música Pavê com essa banda pernambucana, eu comentei que esse é muito um tipo de som que eu quero seguir: Algo que se conecta bem ao que acontece ao redor do mundo hoje, mas tendo muito em vista suas raízes. É um álbum dançante e também triste (olha aí: muito X para ser Y e vice-versa), e só de ter uma música chamada Vinte e Muitos Anos já vale uma menção no Pós-Jovem.
E no podcast…
É frequente eu trazer para o podcast alguém que conheci por causa do Música Pavê ou do Monkeybuzz, mas, desta vez, eu trago um cara que conheci em uma entrevista para o Itaú Cultural: Marcelo Lima. A matéria era sobre seu mais recente livro, Os Afrofuturistas, e eu logo saquei que o escritor e roteirista baiano seria uma pessoa ótima de conversar sobre a vida no Pós-Jovem. E, pelo menos dessa vez, eu estava certo! O cara é um outro nível de querido e eu sei que vocês vão amar esse papo.
Já para a semana seguinte… Veremos. Eu tô em contato com bastante gente querendo marcar uma gravação. Não sei com quem será a próxima, mas sei que vai ser ótimo!
Bora manter contato!
Em 24 de julho, daqui duas semanas, vem mais newsletter para você. No meio tempo, vem pro papo no podcast@posjovem.com.br e siga o Pós-Jovem no Instagram e no Twitter.
Custei a chegar, mas cheguei! E de fato eu fiquei surpresa com você gamer, não encaixa no estereótipo do que a gente imagina do gamer. Mas é isso, as ideias são superficiais e as pessoas são mais do que aparentam. Que bom!
Esse texto tá uma delícia e eu amei a ideia de "coleções".
Esse trecho aqui, vou guardar pra mim:
"Sou do tipo de gente que olha para o autoconhecimento não como uma fotografia a ser analisada, com tudo que é meu enquadrado, em foco e pronto para ser visto, mas como um colecionador que encontra e guarda cada vez mais itens em seu acervo."