Oh, e Agora Quem Poderá Me Compreender?
(Estou cada vez pior nos títulos, mas me fala que você leu com voz de Dona Florinda em um papel genérico, por favor)
É aquela pessoa que cruza seu caminho com frequência e você já monta na sua cabeça um personagem, ou alguém com quem você convive no seu círculo social e sente que já sabe o que vai dizer antes dele abrir a boca, talvez até mesmo no caso de uma celebridade que você acompanha na ilusão da proximidade que as mídias sociais nos proporcionam e tem muito claramente o que esperar dela: Somos craques em envelopar os outros em nossa percepção de quem eles são, mesmo sem ter ideia do que está rolando ali dentro da pessoa.
Pelo que me lembro, tinha uns 22 ou 23 anos quando escutei pela primeira vez um homem (bem) mais velho, casado há décadas, que nunca conheceria a esposa por completo, mesmo eles convivendo e (é claro/portanto) se falando todos os dias (esse sou eu querendo dar mais um exemplo para a argumentação do parágrafo anterior). Ele dizia que havia detalhes de sua história que ele nunca saberia e aspectos do seu interior que nunca teria acesso. Naquela época, achei um pouco exagerado, mas eu tenho hoje a certeza que ele estava super certo.
Tem a ver com o quanto as pessoas não dizem sobre si, tem a ver até mesmo com o quanto o que é compartilhado nem sempre é lá tão verdade assim (e nem tô falando só de mentiras, mas de omissões e até mesmo de exageros nos discursos), mas penso aqui que o maior agravante é o quanto nossos instrumentos de leitura da realidade do outro são limitadíssimos. Quantas vezes um amigo já me disse que não estava bem e eu não consegui enxergar a gravidade da situação, e quantas outras vezes alguém reclamou algo usando uma palavra ou frase que me deixou preocupado e, no fim, era só seu jeito de desabafar? Acontece.
Mas é isso, você pode passar uma vida ao lado de alguém, trocando com sinceridade, e, ainda assim, não conhecer a pessoa totalmente. Ainda assim, teimamos em olhar para um semiconhecido (ou até desconhecido mesmo) e ter a sensação de que já sabemos o bastante a seu respeito. Doido, né?
Cabe falar aqui também daquele outro fenômeno que às vezes discutimos em outras conversas: O do quanto as pessoas mudam. Talvez conhecer alguém o suficiente seja também estar pronto para receber suas novidades, enquanto tenta-se observar o que é imutável - seria essa a tal da essência, será? Não sei. Mas aprendi que, com todas as pessoas que eu sinto que conheço bem, preciso compreender tanto uma margem de erro do quanto eu posso estar equivocado quanto um espaço de adaptação para as mudanças que todos, sem exceção, passam ao longo do tempo.
Quer ver por que isso faz sentido? Pensa no quanto você e eu, como indivíduos, precisamos ir atrás de autoconhecimento. Sempre há algo para ressignificar aqui dentro, para olhar por um outro ângulo e ter uma nova compreensão (ou um primeiro entendimento, acontece com frequência), ou também para aprender a dar conta das transformações. Se eu passo por isso dentro de mim, pela necessidade de sempre me conhecer melhor, o mesmo não acontece quando o assunto é minha relação com o outro?
Mas ainda falando do eu, tem também o lance do quanto - e isso é uma espécie de portanto, de conclusão de tudo isso - precisamos nos contentar, ou dar um jeito de aceitar, que nunca seremos conhecidos por inteiro. A pessoa com quem convivemos de perto terá ideias equivocadas a nosso respeito, os conhecidos não vão enxergar um montão de coisas que são tão relevantes em nossas noções de quem somos e aquelas pessoas com quem trocamos, por exemplo, em redes sociais não fazem a menor ideia mesmo do que tá acontecendo. E falo isso visualizando contextos de exposição sincera, de vulnerabilidade, de uma troca legítima de honestidades.
E por que, afinal, estamos aqui - escolha você a qual aqui essa frase se refere, se é aqui na newsletter, aqui no Pós-Jovem ou aqui nessa vida de convivência com o outro -, por quê? Tem a ver, na minha perspectiva, a ressignificar o conhecer como um verbo que está sempre ligado ao processo, ao movimento, à ação sem conclusão. É um gerúndio metafórico, sabe?
O lance é saber que, quando falo “conheço essa pessoa”, quero dizer que estou aberto a seguir descobrindo mais a seu respeito, mesmo já sabendo alguma coisa. Não é assim o nosso processo interno também? Me conheço muito bem, ou seja, sei um bom tanto a meu respeito, mas tô atento ao que ainda não sei, ao que posso ter entendido errado e também ao que vem por aí e ainda não estou sabendo.
Digo isso também dentro da perspectiva que fez o Pós-Jovem nascer: Que quanto temos contato com o outro, podemos conhecer melhor quem nós somos - seja pelas semelhanças, pelas diferenças ou o que mais acontecer nessa troca. Não sei para vocês (só de um ou outro que comenta, e eu amo quando isso acontece), mas esses últimos episódios todos foram aulas de quem eu sou a partir de como eu compreendo os outros. E esse processo não é o meu, André Felipe de Medeiros, gravando o podcast, mas o que acontece quando eu termino de editar e vou escutar.
Compreender e ser compreendido, conhecer e ser conhecido, é tudo caminho sem conclusão. É o prazer de ser curioso, a recompensa de uma peça de quebra cabeças que encaixou e a paz de não ter pressa, de deixar esse carro andar pela estrada na velocidade que tem que ir. O que vale é a tal da jornada, né? Dizem. E essa aqui é importante demais.
Dicas, dicas, dicas!
Hacks, na plataforma Max [série]
Menciono esta série no episódio de terça agora (28) e, caso alguém ainda não tenha visto, fica aqui a recomendação. Ela acompanha o dia a dia de uma comediante na terceira idade tentando adaptar seu trabalho aos tempos atuais, contando para isso com a ajuda de uma roteirista da geração Z. É sobre as diferenças entre as duas, sobre como ambas estão tão certas, quanto erradas em cada discussão (depende do ponto de vista) e como é difícil conviver não só entre gerações, mas… só conviver mesmo, o cerumano é complicado. A terceira temporada termina nesta semana agora, com os dois últimos episódios na quinta (30).
Machos Alfa, na plataforma Netflix [série]
Eu sei, dá zero vontade de assistir a algo com esse título, mas segura na minha mão, confia e dá o play: A comédia espanhola acompanha quatro amigos que são confrontados com a noção de que precisam desconstruir suas masculinidades. Uns têm mais boa vontade, outros resistem fortemente à mudança. Me lembra demais vários episódios do podcast quando o assunto é masculinidades (como o recente #227), mas vou te falar que, acima de tudo, é uma série bem engraçada que vale pelas risadas mesmo - o elenco é ótimo, também. São duas temporadas, vi hoje o primeiro episódio da segunda e posso afirmar que ela fica cada vez melhor. Ah, vale dizer também que ela é escrita e dirigida, no geral, por mulheres - ou seja, tem uma pluralidade interessante de pontos de vista para uma cultura que não é lá tãããão distante assim da brasileira.
E no podcast…
Um cara da minha idade com mais de 30 anos de carreira: Junior tem mais histórias para contar do que o pós-jovem médio, e trouxe muito ao podcast, seja ao relembrar a carreira com a irmã Sandy (na música e na TV), seus processos de autoconhecimento nos últimos anos e a vulnerabilidade com que trabalhou seus dois álbuns (ou álbum duplo?) Solo (o primeiro saiu em outubro e o outro acabou de ir para o mundo). Um papo muito franco com um cara incrível que nós sentimos que conhecemos desde sempre, mas só estamos tendo mais contato com sua personalidade agora (ou você acha que a inspiração para falar do tema acima veio do nada?). Sai na terça agora, dia 28.
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