Pelo Direito de Ser Inútil
Não fazer nada é parte natural da vida - e a culpa que vem disso, infelizmente, também
Eu tinha 11 anos quando fui muito impactado por Paralamas do Sucesso (<3) e seu O Caminho Pisado, canção que comenta o dia a dia de um trabalhador como tantos outros frente a questionamentos existenciais dentro de um sistema capitalista como os de todos nós. No limite do que minha compreensão infantil dessa situação conseguia chegar, um joguinho de palavras ali na segunda estrofe sempre me chamou a atenção: “No fim dos dias úteis há os dias inúteis”. É simples, mas explica muito bem algo que eu só fui ter vocabulário para comentar anos depois: Quando você não produz, como aos sábados e domingos, não serve para nada.
O termo “inútil” apareceu de novo para mim após mais de década, sendo a palavra que finaliza o prólogo de O Retratro de Dorian Gray, um dos meus livros do coração. Naquela breve introdução do romance, Oscar Wilde - que, além de dramaturgo, foi professor de estética em diferentes universidades - argumenta a favor daquilo que muitos chamam de “arte pela arte”, ou seja, a ideia de que a forma superior de criação é aquela que se encerra em si mesmo. Como se os artistas devessem criar não por um objetivo prático (reconhecimento, retorno financeiro, nem mesmo comunicar uma mensagem), mas porque a obra pode, ou deve, encerrar-se em si mesma. “Toda arte é inútil” - que frase linda (será que acabei de ter (mais) uma ideia de tatuagem?).
Acontece na arte porque também acontece na vida. E, não, longe de mim tentar convencer alguém da inutilidade do viver - muito pelo contrário, a vida é se relacionar, conviver, construir, superar… nossa, cabe muito verbo nessa vida. E também há espaço para o nada. Para vários nada, na real. Aliás, não há nada mais natural do que o não fazer, tanto que nós passamos um terço da vida dormindo (uns mais, uns menos, mas a média saudável é essa). Mas, mesmo acordado, é bom que haja espaço para aquilo que é inútil - ou, bora resgatar aquele vocabulário, para aquilo que é improdutivo.
Aposto que não é a primeira vez que você escuta uma ideia dessas, mas sei que é sempre bom relembrar porque eu mesmo me esqueço e só dou conta quando meu corpo tá emitindo algum sinal de alerta. E abraçar a improdutividade é um caminho solitário, cada um tem o seu mapa do que fazer para não fazer nada. Talvez seja ver o futebol, ou jogar videogame. Tem gente que precisa parar a reorganizar o armário mesmo se ele não estivesse bagunçado, ou mudar os móveis de lugar. Só hoje entendo minhas amigas que se empenhavam tanto em pintar as unhas. Eu achava que era vaidade, mas era saúde mental.
Já revirei muito os olhos para muitas atividades improdutivas e que hoje eu dou a maior força para quem curte (veja que eu citei futebol ali em cima logo como primeiro exemplo, foi de propósito para eu não me esquecer). Outra ficha que custou muito a cair, mas foi determinante para eu compreender melhor tudo isso, foi a do quanto é subjetivo e abstrato definir o que eu aceito como improdutividade e o que eu recuso. Às vezes, isso é cultural (é socialmente mais aceitável assistir ao jogo transmitido em rede nacional do que usar o mesmo tempo para uma partida de um gamezinho gratuito no celular), mas também pode ter a ver com nossos vieses mais pessoais - eu, que nunca quis pintar as unhas e já critiquei o tempo e dinheiro que gente próxima investiu nisso, nunca questionei minhas idas ao cinema.
E quando falamos desses conceitos que nos guiam sem nos darmos conta, é preciso citar também daquele que direciona tanto nossa relação com a (im)produtividade: Culpa. É ela que cutuca o seu ombro e pergunta “mas aonde isso vai te levar?” quando você escolhe fazer algo só porque aquilo te faz bem, e quem comenta, com aquele olhar perdido que só os melhores manipuladores sabem fazer, que “é melhor você usar seu tempo para outra coisa”. E essa culpa, pode localizar aí, vem daquele mesmo lugar que nos faz pensar que só servimos para algo quando estamos produzindo, seja nos dias úteis ou nos tais dias inúteis.
Compreender que o oposto de culpa é perdão é metade do processo de domá-la. Se perdoar pela improdutividade vem do entendimento do quanto é natural - e, portanto, saudável - o não realizar. E, pegando o gancho, é também perdoar os outros pelas inutilidades deles, sejam elas parecidas com as suas ou bem diferentes. Quando não escolhemos esse lado, o sistema facilmente nos usa como agentes de culpabilização (credo!).
Então é isso, pós-jovem, vai lá maratonar mais uma série (pode ser aquela lá de novo!), baixa o joguinho, se arruma e faz a selfie sim. Ou, pegando o gancho do papo com Marcia Castro (#188) recentemente, vá a algum lugar, longe ou perto, só para se sentir vivo ali, só para se sentir você. E eis a questão: Não fazer nada é uma forma de ser você. E que linda essa liberdade poetica de apenas existirmos. Sorte da arte, que imita a vida (e é, portanto, inútil).
Pós-Jovem, Cadê Você?
“Cadê” é a palavra certa, porque eu também estou procurando essa seção aqui da newsletter. Mandei vários convites, mas ninguém respondeu a tempo. Acontece, faz parte. Todo mundo tem mais o que fazer, e também o que não fazer (vide o texto acima).
Dicas, Dicas, Dicas!
Especialista em design falando das diferentes casas da Barbie ao longo das décadas, no Architectural Digest [vídeo]
Não gosto de sugerir algo que não seja em português, mas isso aqui, meus pós-jovens, foi um dos vídeos que eu mais gostei de ver no ano. É isso mesmo que você leu, uma especialista que escreveu um livro todo sobre as casas da boneca Barbie faz um “tour” por diferentes brinquedos de diferentes décadas e comenta as mudanças entre um produto e outro. Dica para quem tá no nível intermediário, ou algo assim: O YouTube disponibiliza legendas em inglês para o vídeo.
落日飛車 Sunset Rollercoaster [banda]
Tem surpresa que chega em várias camadas, e esse grupo foi um desses casos para mim. Fui escrever sobre Caroba no Música Pavê e o duo citava a taiwanesa 落日飛車 Sunset Rollercoaster como referência. Não é sempre que eu vou atrás de alguém citado, mas, dessa vez, algo me deixou mais curioso que de costume. Coloquei logo para tocar sua música mais executada, My Jinji, e que delícia que foi essa audição. E alguma coisinha ali estava me deixando com alguma pulga atrás de uma orelha a cada repeat da faixa, até que caiu a ficha. “Jinji” é uma citação de Dindi, simplesmente uma das músicas da minha vida, do nosso maestro Antônio Carlos Jobim. Na versão em inglês, eternizada pela também eterna Astrud Gilberto, a frase “my dindi” aparece três vezes. Uau! Que gostoso esse retorno pra casa, sabe? Enfim, contei isso emocionadamente no grupo do Pavê e ninguém deu a mínima (mais uma prova de que grupos de Whatsapp não servem para nada).
The Other Two [série]
Essa é para quem, assim como eu, gosto não só de comédia, mas de comédia boba. Essa série do HBO Max - que eu em algum momento citei já no podcast - terminou recentemente (são três temporadas de dez episódios cada) acompanha um casal de irmãos bem estereotipicamente millennials que sonham com a fama, mesmo sem muita vocação na vida. E eles, de repente, têm que lidar com o fato de que seu irmão mais novo, aos 14 anos, virou uma celebridade da noite para o dia. Elenco absurdamente bom, piadas certeiras e risadas descompromissadas.
E já que estamos falando de dicas, posso soltar mais duas de cunho, assim, pessoal?
Além das Ruas: Histórias do Graffiti [exposição]
É a última semana dessa mostra em São Paulo que foi muito especial para mim por dois motivos. O primeiro é óbvio, que é três andares do Itaú Cultural tomados por esse tema que tanto me move, a arte urbana. E o segundo, mais por trás das câmeras, é que eu tive a oportunidade de escrever a linha do tempo que conta a história do graffiti dentro da História da Arte. Tem também um texto meu na revista que acompanha a exposição, no qual entrevisto o curador (o já lendário Binho Ribeiro). Se estiver na cidade, corre que dá tempo. Se não estiver por aqui, vem!
Podcast: Criatividade e Engajamento [curso]
Acontece no próximo 25 de agosto a primeira edição desse curso que eu vou dar lá na Aberje (Associação Brasileira de Comunicação Empresarial). O foco é em podcasts para empresas, tanto na produção quanto na gestão de equipes criativas, e o curso se destina a comunicadores. Se você é profissional da área, será um prazer te receber na turma! Se não for o seu caso, indique para alguém! As inscrições são pelo Portal Aberje.
E no podcast…
Queria voltar no tempo e contar para o André Felipe de 14 anos que ele um dia iria sentar e bater o maior papo com Patricia Coelho. Lembro bem de escutar suas músicas e curtir bastante, isso antes dela ficar conhecida em todos os cantos do Brasil como participante do Casa dos Artistas - simplesmente o primeiro reality show do Brasil desse porte que hoje conhecemos bem. Conversamos muito sobre música, é claro, mas também sobre novidades de sua vida pós-jovem, como o surfe, e, é claro, suas recordações do programa de TV mais de vinte anos depois.
Na semana seguinte, se tudo der certo (gravação confirmada para os próximos dias!), trago outra cantora, mas de uma nova geração, para falar do que ela tem vivido nos últimos tempos - incluindo ver Beyoncé ao vivo. Quem acompanha Música Pavê e Monkeybuzz talvez saibam de quem estou falando - e, se sabem, também já estão muito animados.
Bora manter contato!
Em 07 de agosto, daqui duas semanas, vem mais newsletter para você. No meio tempo, vem pro papo no podcast@posjovem.com.br e siga o Pós-Jovem no Instagram e no Twitter.
Se tem um trem que me tira do sério é o tal do ócio criativo. Deixa as pessoa descansar!!! Dito isso, sigo daqui tentando me livrar da culpa de não fazer algo útil - como se fosse inútil ter tempo pra ouvir os próprios pensamentos.