Vou abrir com uma anedota: Lembro com um leve riso de um conhecido que, quando éramos super novinhos, na adolescência assim, era aquele cara que interrompia todo mundo o tempo todo. Dava para ver que não era por mal, mas ele tinha o dom de monopolizar qualquer conversa e não deixar ninguém terminar de falar. Um dia, ele chegou todo empolgado pra contar que, “nooooossa, fulano soltou uma bomba” (ou algo assim como falávamos há 20 anos) ao propor a ideia de: “Você escuta a outra pessoa ou só espera a sua vez de falar?”. Eu era moleque, mas já conseguia entender alguma beleza, e até uma ironia cansada (causada pelo meu cinismo de quem não aguentava mais ele falando sem parar sempre que o pessoal se reunia), na atitude deslumbrada dele de quem acaba de descobrir como se conversa.
Não sei exatamente aonde essa argumentação daqui pra frente terá que ir para eu te contar o que está na minha mente, até porque eu sinto que nem tem muito para onde correr além da simplicidade desse discurso: É preciso escutar as pessoas integralmente - mas escutar como quem quer compreender, não como quem já quer responder. Não sei como desenvolver esse tema de uma maneira original, até porque estamos falando de algo que todo mundo sabe muito bem. Um número bastante curioso de amigos que vieram conversar sobre isso comigo, entretanto, me lembrou que é preciso tocar mais uma vez nesse assunto.
Enquanto rabiscava um rascunho ou outro para essa argumentação, lembrei daqueles ensinamentos das aulas, dos livros e da experiência de quem escreve já há um tempo e me dei conta de que a melhor maneira de fazer isso seria levando a conversa para o pessoal. Sendo assim, te peço a permissão:
Posso te falar sobre mim?
Uma das maneiras que consigo me enxergar é como uma coleção de situações frustradas de decidir (arriscar?) falar sobre mim para alguém que demonstrava abertura em ouvir e deu tudo muito errado. Teve a vez que eu abri sobre uma situação que me atormentava e, de bate pronto, ouvi que “não deve ser bem assim, fica tranquilo” e o assunto mudou. Teve aquele outro dia que eu admiti algo que não era bom para mim e levei palestrinha enquanto pensava “sim, eu sei que isso é ruim, foi o que eu te disse”. Ou ainda aquela vez que eu disse qualquer coisa que não estava legal pra mim e ganhei um manual de instruções do que fazer, como um GPS que mostrava um único caminho que nem era para mim, sendo que eu não perguntei nada.
Eu não sou nada especial não, essa minha história é muito provavelmente também a sua. Parece que todos nós somos vítimas desse fenômeno das relações interpessoais que faz com que uma pessoa nunca possa se expressar inteiramente porque a outra já decidiu que vai escutar só uma partezinha e logo responder qualquer coisa. Lembrei aqui do papo com Rubel (#203), quando brincamos sobre o olhar invisível do outro (quem escutou vai lembrar, quem não escutou vai colocar o episódio na fila). Acho que cabe também falar do ouvido julgador do próximo, né?
Pessoal fala muito em acolhimento, né? É uma dessas palavras com significados bem relevantes que perigam cair em um lugar comum mal visto (descanse em paz, gratidão). E acho que essa atitude é o remédio contra esse mau juízo que bateu o martelo em uma ideia sem parar e observar o relato inteiro. Eu sempre penso no acolher como abraçar, o estender a mão e aceitar a pessoa com o que ela traz ali. É uma atitude muito diferente de quem aponta o dedo, seja para encriminar ou, com a melhor das intenções, apontar uma direção.
Voltando aqui então ao assunto (no caso, eu, já que estou falando de mim), tem duas coisas que isso tudo me faz pensar - mas, assim, pensar de corpo inteiro, tipo um incômodo que vai do estômago até um lugar que eu nem sei como chama. A primeira questão é o medo que eu tenho de ser essa pessoa, como já foram tantas vezes para mim. E certamente já fui, mas quero ficar atento para não cair na armadilha da boa intenção e, ao invés de acolher, partir para uma ação que não me foi pedida.
Isso se faz, penso eu, na atitude de se doar (tempo, atenção, energia) ao receber (o que o outro nos traz). Acho que a empatia (mais uma pra fila das palavras injustamente desgastadas) só acontece quando há interesse e curiosidade genuínos no que está sendo dito. E talvez o primeiro passo seja bem simples, que é o questionar (dentro da sua cabeça, ou, em alguns casos, para a própria pessoa) por que aquilo está sendo compartilhado. Não é difícil, sabe?
E a segunda coisa que eu concluo sempre que penso nesse assunto é que eu entendo muito bem quem tem problemas de confiar nos outros - a culpa nunca é de quem desconfia. Só quem já foi calado quando estava com o coração na mão sabe que o silêncio dói menos. Essa solidão também é sua?
Dicas, dicas, dicas!
O cinema brasileiro tem uma nova casa: Tropical Alien é um projeto do meu irmão de vida Leandro Reis (que, não bastasse ser especialista no assunto, é também o cara que resgatou o meu cachorro. Ou seja, respeito total), um site com breves resenhas para que nós aqui tenhamos mais contato com essa arte e, em paralelo, textos em inglês para mostrar mais da produção do nosso país pelo mundo todo. Acesse o site e também aproveite pra já seguir no Instagram e não perder nada.
I Don’t Give a Seat [perfil do Instagram]
Essa dica eu peguei da minha amiga Marília Ferruzzi, minha companheira de Música Pavê. É um arroba que coleciona e compartilha estampas de assentos ao redor do globo, essas cadeiras de transporte público, salas de espera e afins. Serve para ficarmos olhando os designs, comparando uns com os outros e pensar nos lugares por onde passamos e não prestamos atenção. É tão inútil quanto algo que eu nunca mais quero viver sem (ou seja, é arte purinha).
E já que eu citei o Pavê, eu encerrei a semana passada dando essa dica aqui lá no site, não custa trazer para cá também. É um músico canadense super novo (em carreira e em idade) que me surpreendeu bastante com seus singles. É um som coloridão, cheio de corpo, bastante fora do óbvio - eu adorei, acho que você também vai. Leia mais e escute lá no MP.
E no podcast…
Uma semana depois de Almério, mais um pernambucano vem papear sobre a vida: Guerra, conhecido principalmente por ser baterista da banda Fresno. A novidade da vez é que ele está lançando seu primeiro trabalho solo, e dois singles já saíram. Fora isso, devo te contar que ele é um cara incrivelmente gente boa e sempre que nos encontramos não falta assunto, nem risada - e não foi diferente no podcast. Sai na terça, dia 06.
E já vou queimar largada e revelar que na semana seguinte, em 13 de fevereiro (isso mesmo, terça-feira de carnaval), quem chiega ao Pós-Jovem é a cantora Ghabi, que conta como é preparar aos 37 anos seu primeiro disco, todinho cravado em uma musicalidade pop que nós logo pensamos em algo bastante jovenzinho. Fica a dica para você escutar antes de ir festejar, ou para ajudar na ressaca.
Bora manter contato!
Em 19 de fevereiro, vem mais newsletter para você. No meio tempo, vem pro papo no podcast@posjovem.com.br e siga o Pós-Jovem no Instagram e no Twitter.