Questiono muito o quanto há de bênção na ignorância. Entendo o uso da frase, uma coisa meio “o que os olhos não vêem o coração não sente”, “o que não mata engorda”, ou “quem vê cara não vê coração”, ou algum outro ditado popular que eu poderia citar na mesma insegurança que citei esses dois - perdão, sinto que me perdi no raciocínio. Mas existe também uma passividade, uma inércia na vida que a expressão comunica, uma coisa meio “é melhor ficar por aqui sem saber mais nada” que me desagrada por completo. Afinal, é no aprendizado que nos mantemos vivos.
Mesmo assim, vou dizer: Não saber tem lá seus benefícios. Ô se tem.
Por exemplo, não saber que horas são em um dia sem nenhum compromisso na agenda: Que delícia. Serve ainda mais para não saber se já está na hora de acordar, ou perder-se naquela companhia e conversa e não ter ideia se já é hora de dar tchau (torcendo para que não seja).
Não ter noção de que está dançando errado e curtir horrores aquela música - eis um prazer da ignorância que deveria ter um nome próprio. Aquela sensação de ficar sabendo que aquele cachorro ou gato nunca quer papo com ninguém e estava brincando com você até agora. Ou não saber o preço e comprar mesmo assim, porque dinheiro não falta (essa eu só imagino, nunca vivi). Prazeres da ignorância.
Ao mesmo tempo, sempre penso que prefiro não saber o que meu cachorro passou antes do resgate. Tem vezes também que algum amigo conta algo que aconteceu há algum tempo e, por um motivo ou outro, decidiu não me contar enquanto acontecia. Antes, isso me deixava nervoso. Hoje, eu não só respeito, como concordo e, às vezes, agradeço - vai saber o que eu faria para tentar ajudar e só complicaria sua vida ainda mais.
De um tempo para cá, tenho pensado em outro lado da ignorância: A celebração daquilo que me falta. Não pela ausência em si, mas pelo prazer de preenchê-la. É quando volto a outra frase célebre, aquela sobre saber que não sabemos quase nada, para me lembrar que há sempre muita coisa para se descobrir. Que bom.
Olha o tamanho do mundo, ou o que está para além dele: Tudo o que eu aprender ainda é pouco. Acho interessante quem faz esse movimento e chega a essa conclusão com incômodo, porque para mim é um baita prazer. O novo aprendizado sempre vem, não há chance para o tédio.
Nos bastidores do Música Pavê, costumo repetir que “ainda não escutamos nossa nova música favorita”, e olha como isso é lindo. Sempre terá um próximo livro que vai em tirar o chão, um filme que vai me fazer chorar (talvez de rir)(espero) e um novo lugar para visitar (mesmo se o orçamento de viagem for mínimo).
Mas também existe tudo aquilo que eu ainda não sei sobre o que já sei, as camadas de conhecimento que nos levam a um entendimento aprofundado. Eu aprendi a cozinhar na adolescência, mais ou menos, mas fico melhor a cada ano. E, mesmo sabendo que já sei, vejo que há mais do que para se descobrir na cozinha do que o que está armazenado em meu repertório.
Às vezes, preciso acessar um texto antigo, ou reescutar um episódio de podcast, e me observo daqui do alto de quem sabe hoje um pouquinho mais que aquele cara ali. É precioso demais, um privilégio para nós que temos o trabalho todo documentado, notar o amadurecimento que vem de um acervo pessoal mais robusto.
Acho que ser pós-jovem é apreciar esse descontentamento. É olhar para a lacuna de conhecimento(s) e suspirar com um sorriso. E é também deixar que esse sentimento vire curiosidade para não deixar a vida perder a graça.
Aquela pessoa que você conhece tão bem ainda tem muito para te contar. Um vizinho, colega de trabalho ou qualquer outro alguém frequente na sua vida talvez seja uma porta a um mundo novo que você, onde está hoje, nem imagina que existe. E pode ser que sua banda favorita ainda nem tenha se formado.
E é por não saber que arriscamos, que insistimos, que nos movemos. É o tal do “não sabendo que era impossível, foi lá e quebrou a cara”, mas daí aprendeu e agora sabe um pouco mais. Ou aquele “o ignorante afirma, o sábio duvida, o sensato reflete”. Ou reler esse texto e lembrar que nem sempre sei usar ditados populares na argumentação. Beleza, bora aprender.
E no podcast…
Enquanto essa newsletter é escrita, o cineasta Rosa Caldeira está lá no renomadíssimo Festival Internacional de Cinema de Berlim (Berlinale) para exibir seu curta Anbla Dlo na mostra Berlinale Shorts. Semanas antes, ele veio ao Pós-Jovem comentar os desafios de fazer cinema no Brasil (ainda mais para profissionais trans) e compartilhar um pouco de sua história e de suas observações sobre o tempo muito louco que vivemos. Sai na terça, 25, no comecinho da tarde.
Bora manter contato!
A próxima edição da newsletter chega em 10 de março. Enquanto isso, vem pro papo no podcast@posjovem.com.br e siga o Pós-Jovem no Instagram e no Bluesky, além do canal Acesso aos Bastidores do Whatsapp. Não sabe por onde começar a escutar o podcast? Que tal a playlist de “Episódios Essenciais”?
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Bom demais perceber que ainda existe espaço em nós, né? ✨