Sobre Aguentar Muito e Ainda Ser Simpático
Vizinhos excessivamente fofos: Não desejo para ningúem
No jeitinho que eu vivo as coisas dentro da minha cabeça, sou muito motivado pelo entendimento que tenho das situações. Sou sensível pra caramba também, mas compreender o que está acontecendo tem mais impacto em como eu respondo do que como eu me sinto. Por isso, quanto mais entendo o que está acontecendo, menos valor dou às emoções geradas em mim - por exemplo, o desconforto, a tensão e a insegurança. Não se engane: Esse trio é coadjuvante na história que vou te contar a seguir, mas nunca chega a ser antagonista.
Pois bem, há uma situação que eu passo com certa frequências por ter cachorro - ou melhor, ter o meu cachorro, Boi, uma das criaturas mais carismáticas que esse planeta já viu, capaz de fazer amizade com qualquer outro ser vivo e derreter o coração até de quem não gosta de cães. As pessoas querem brincar com ele. As pessoas nos param no meio do passeio para brincar com ele. E as pessoas querem conversar comigo porque estão brincando com eles. Porém, por mim, nada disso estaria acontecendo.
Não que eu não goste de conversar, não que eu também não faça amizade com certa facilidade, mas tem gente que perde a mão na proximidade, ou que lê minha educação e simpatia básicas como indicativos de que poderíamos ser íntimos. E ainda tem o agravante - e isso é mesmo grave pra mim - dessas pessoas ou não conseguirem respeitar, ou mesmo escolherem ignorar quando eu digo que estou com pressa. Na boa, imperdoável.
Tenho vários exemplos disso toda semana, mas tem duas vizinhas com quem isso é, digamos, especial. São mãe e filha, respectivamente uma senhora de certa idade e uma pós-jovem um pouco mais velha que eu (acho). Ambas são exatamente o que a fofura manda que sejam, e ambas são craques em parar um desconhecido (eu) para conversar por vários, vários, vários minutos, mesmo quando ele fala “… é que eu preciso ir” repetidas vezes.
Corta e entram em cena o desconforto (daquela interação), a tensão (de estar em uma situação em que estou sendo ignorado) e a insegurança (aquela bem primitiva, do medo de rejeição presente nos seres humanos). Para piorar, tem um jeitinho que as pessoas da minha cultura (paulistana? Sudestina? Brasileira? Ocidental?) te olham como se você fosse um monstro quando elas estão sorrindo e você não faz o que elas querem. Sabe? A pessoa é uma fofa, que tá carinhosamente brincando com meu cachorro, que está feliz, e eu sou o vilão da história porque disse - com um sorriso leve - “preciso ir embora, porque estou com pressa, boa tarde!”. Monstruoso, né? É como elas sempre me respondem quando eu preciso escapar daquela prisão cheia de sorrisos onde me colocaram.
Por um tempo, sentia meu coração acelerar um pouco, aquele suor chato querendo escorrer e o olhar de pleno horror da pessoa me acompanhava por longos minutos até eu conseguir finalmente me desvincilhar do que acabara de acontecer. Só que, como eu falei, esses encontros com as duas e com outros vizinhos cujos nomes eu nem sei são um tanto frequentes, então ter que lidar com essa situação dentro da minha cabeça também virou algo comum.
É aí que eu me observo nessa situação em dois níveis: O da motivação e o da comunicação. O que me fez precisar interromper aquele momento que a pessoa queria que fosse eterno (não julgo, meu cachorro é o máximo) foi a pressa, o planejamento do dia ou qualquer motivo logístico assim. Justificável, eu sei. E como comuniquei isso? Com educação, com a simpatia que cabia à situação sem forçação. Nesse juízo, bato o martelo me absolvendo, mesmo se já recebi a sentença do olhar horrorizado do outro.
E quanto mais eu entendo que eu não estou errado em (repito) com educação e simpatia dizer tchau para quem apareceu no meio do meu caminho, menos efeito essa reação do outro tem sobre mim. Melhor ainda: Do alto da minha consciência tranquila, eu tenho até me divertido com a situação.
Olha só o que aconteceu dia desses: A tal da filha passou por nós dia desses, meu cachorro estava fazendo xixi, eu dei bom dia assim que notei sua presença e ela veio efusivamente fazer carinho no meu cachorro enquanto ele estava ali com a patinha para cima urinando na árvore (e o inconveniente sou eu, né?). Ele olhou com aquela cara de cachorro fazendo xixi (quem tem cachorro sabe qual é) e eu continuei imóvel, quase de costas para ela. Nem eu, nem ele (obviamente, porque estava ocupado) demos a atenção que ela gostaria e - adivinha? - ela ficou ofendidíssima, fechou a cara e atravessou a rua sem falar tchau. Eu ri.
E sua mãe, tadinha (na boa, essa dá uma dozinha), já entendeu que eu não vou mais parar para conversar com ela por uns 20 minutos falando “tenho que ir” a cada poucas frases dela. Então, quando ela vê que vamos passar em frente sua casa, ela já começa de longe a falar o que ela quer dizer e vai falando cada vez mais rápido ao ponto de falarbemrapidinhoassimparadartempodefalartudoenquantopassamos. Engraçadíssimo.
Acho que ser pós-jovem é saber encontrar esses processos que facilitam atravessar uns estressezinhos diários assim que poderiam nos tirar a paz. No meu caso, é o entendimento da situação, ainda mais podendo observar tudo em terceira pessoa para julgar melhor, e a consciência tranquila de quem está sendo educado e até simpático, mesmo se o outro discorda de acordo com suas expectativas.
Dicas, dicas, dicas!
Evidências do Amor [filme na plataforma Max]
Quem escutou o episódio #235 com Leidy Elin já me escutou comentar esse, mas vale a pena trazer a dica aqui para a newsletter também. No filme, Fábio Porchat e Sandy Leah (também conhecida como irmã do pós-jovem Junior, do #234) vivem um casal que se conhecem por um dueto de Evidências no karaokê, e essa vira a música de seu romance. Um ano após o término, escutar a canção faz com que o protagonista possa viajar momentaneamente no tempo e se observar em terceira pessoa nas interações com a ex, para entender melhor onde foi que errou. Passatempo caprichado (filme leve e engraçado) com o bônus desse questionamento: Como seria você poder reviver algumas partes de sua vida sob uma nova perspectiva?
Radiosoul [disco de Alfie Templeman]
Mais uma dica repetida, porque contei essa história no Instagram (mas vale ouvir de novo, juro!): Em 2020, quando o britânico Alfie Templeman lançou seu primeiro álbum aos 17 anos, eu disse a ele em uma entrevista que eu (aos 35) tinha mais que o dobro de sua idade. Doideira, né? Ele chegou nessa última sexta-feira à marca do terceiro disco com o excelente Radiosoul, mais uma obra colorida, dançante e sempre muito divertida, com uma produção super arrojada. Se você curte nomes como Jungle, ou mesmo Gorillaz, vale conhecer (e tá liberado se sentir velho).
No podcast…
Terei que ser sincero: O episódio da semana (#236) é especial para quem, assim como eu, é fã de Vanguart: Reginaldo Lincoln veio ao Pós-Jovem falar obviamente de música - entre projeto solo e a nova fase da banda, na formação duo (ele e Helio Flanders)(#072) -, mas também de paternidade, sobriedade e muito mais do que tem pensado, sentido e vivido nesses tempos.
E já que estamos aqui…
Tenho entendido que, como comunicador, minha função no mundo digital é facilitar diálogos, ou seja, organizar informações e narrativas que facilitem como as pessoas acessam determinados assuntos em suas vidas sociais (o podcast tem sido um grande laboratório disso). Um dos temas que tenho me empenhado para promover o entendimento e conversas saudáveis é o da inteligência artificial, e o curso Diálogos de IA: Conceitos e Aplicações chega agora em junho à terceira edição. É um intensivão de duas horas que explica como essa tecnologia funciona, assim como o momento em que ela chega no mundo, para oferecer letramento a quem já sacou que precisa compreender mais do assunto, mas não sabe por onde começar. Você encontra detalhes sobre o curso no Instagram, e pode se inscrever por este link. Se tiver perguntas, responda este email.
Bora manter contato!
Em 17 de junho, vem mais newsletter para você. No meio tempo, vem pro papo no podcast@posjovem.com.br e siga o Pós-Jovem no Instagram e no Twitter, além do canal Acesso aos Bastidores do Whatsapp.
Ainda quero chegar nesse ponto de interromper as senhorinhas e dar tchau. Me sinto refém nessas situações, a eterna mania de querer agradar. Mas tenho que concordar: impossível não querer fazer carinho no Boi ♥️