Sobre o Ineditismo do Dia a Dia
Uma grande reunião de clichês vindos de passeios com o cachorro (fofo, vai?)
Lembro quando Boi (meu cachorro) chegou - coincidentemente, há exatos oito anos, naquele 19 de agosto de 2016 - e eu passei horas, dias, semanas lendo tudo o que podia sobre como cuidar de um filhote resgatado, sua adaptação em uma nova casa e também seu desenvolvimento depois dos traumas do passado. E tem uma frase daquela época que acabo me lembrando quase toda semana quando vamos passear: Para o cachorro, é bom explorar novos lugares (por exemplo, variar o caminho do passeio) para ele receber novos estímulos e, ao mesmo tempo, é importante repetir os locais (ou seja, fazer o mesmo caminho no passeio) para que ele reconheça o que está lá sempre e o que mudou desde a última vez.
Para alguém desesperado por recomendações certeiras para cuidar de um filhote, é o tipo de dica que tem cara de “a regra é clara: Não há regras”, mas, passada essa frustraçãozinha inicial, eu consigo entender o raciocínio por trás dessa dinâmica de “às vezes um, às vezes outro, sempre os dois”. Não só entendo, como eu - nerdzinho de criatividade que sou - também me identifico.
Se você ainda não ouviu essa história (nunca sei se sempre toco nesse assunto, ou se não reparo que esqueço de contar), comecei a aprender fotografia aos 17 anos, com uma câmera que, assim como eu, também nasceu em 1985 (e eu tenho até hoje). A partir daí, fui me dedicar a estudar arte e criatividade e ainda sigo nesse caminho. E anos atrás, li em um livro (que está aqui na estante, mas estou com preguiça de reler, então vou só parafrasear mesmo)(desculpa!) uma artista dizer que quem fotografa está em um estado de “criatividade alerta”, sempre prestando atenção no que pode vir a ser uma imagem.
Há vários exercícios de criatividade que desenvolvem essa ideia de observação - e o episódio da semana passada, com Pedro Lins (#246) tocou nesse assunto. Estudar e produzir arte (não só foto, aprendi isso no teatro também) tem muito a ver com essa postura de estar alerta para notar como as coisas são, daí elas poderem virar reprodução, representação, interpretação e tudo o mais. E o que isso tem a ver com o passeio do cachorro? Com o estar atento ao que é novo e tentar levar isso também para aquilo que já conheço bem.
Não quero me alongar muito nesse assunto, prefiro trazer logo a grande questão: É muito frustrante pensar que nos acostumamos com as coisas boas que fazem parte do nosso dia a dia, a ponto de não notá-las mais. É um desperdício. E ainda de carona nessa ideia, penso que tem um valor muito puro e simples nessa dinâmica de notar beleza e interesse na rotina: O de me contentar com o que de fato faz parte da vida, não só com o que é muito estimulante (como tem sido a vida digital) ou uma espécie de produto que eu adquiri, mas com o que simplesmente está ali na minha frente.
Me tem feito mais sentido (e talvez isso nem seja pós-jovem, mas pré-velho) as conversas que eu observava nos adultos quando eu era moleque e eles apontavam e perguntavam “que árvore é essa?”, aí a outra pessoa respondia e eles “ah tá, legal”, e eu pensava “mas e daí?” (mala demais desde sempre). É isso aí, olha que árvore bonita, que coisa boa, que satisfação real.
Falando nisso, lembro de um outro exercício de observação que propõe que você anote não só o que viu, mas o que você gostou. Tento fazer isso mentalmente, mesmo sem escrever, nos passeios com o Boi: As pastilhas que revestem aquela casa, a janela de madeira escura bem grandona, a varanda cheínha de plantas, a mulher que fala “como ele cresceu!” toda vez que a gente passa (mesmo sem meu cachorro crescer há sete anos), a sombra úmida das árvores na pracinha, o fuço dos outros cães por baixo dos portões tentando acessar a rua. Se eu não fizer o esforço de notar, passo reto.
Aí escuto uma história de um relacionamento que se esvaziou com o tempo porque os dois não percebiam mais o que tinham. Ou o amigo que comenta que o filho “cresceu de repente” e ele não notou o tempo enquanto passava. Pior ainda é a sensação de cair no clichê, nesses exemplos ou em qualquer outro, de só querer começar a dar valor a algo quando já não tem mais. E se tivessem observado e anotado, ainda que mentalmente, o que era bom no dia a dia?
E o que mais será que atropelamos por não darmos a devida atenção, né? Ou o que é que deixamos de lado por pensarmos que são “apenas detalhes”, mas eram partes relevantes desse quebra cabeças que é a percepção que temos do que compõe nossas vidas? Não sei, mas passear com o cachorro traz o prazer de levantar essas dúvidas.
Dicas, dicas, dicas!
Turma do Peito (The Letdown) [série, Netflix]
Não é novidade, mas é desconhecida, então vale como dica. É uma comédia dramática australiana que acompanha uma mulher e suas novas amigas que se conhecem em um grupo de apoio de maternidade (daí o horrendo título em português, que tenta fazer uma alusão à amamentação). É uma série de duas temporadas (com começo, meio e fim) curtinhas que consegue fazer rir aqui e ali, mas seu maior mérito é comunicar o que mães passam com as expectativas que a sociedade impõe (spoiler: Austrália não é lá tão diferente daqui nesse quesito). Tem uns momentos bem sensíveis, outros engraçadinhos, e vale ver principalmente porque não é o tipo de série que quer mudar sua vida. Ou seja, uma mensagem relevante em um formato depretensioso - tá ótimo.
E já que estamos aqui…
Teremos mais uma turma do curso Diálogos de IA: Conceitos e Aplicações neste próximo 28 de agosto. Para quem não ficou sabendo, o curso (que chega agora à quinta turma) propõe preencher algumas lacunas de quem ainda não está inteirado sobre a inteligência artificial e as discussões que acontecem ao seu redor. Conversamos sobre como essa tecnologia funciona, para onde ela deve rumar em breve e quais as discussões necessárias. Tem sido ótimo poder trabalhar um conteúdo tão relevante a um precinho bem simbólico (100 reais), para que todos possam participar. Vamos? Conto mais no Instagram, e deixo aqui o link de inscrição.
E no podcast…
Houve uma troca na programação por conta de agendas de gravação e quem dá as caras nesta semana é mais um papo sobre passado e presente com nossa amiga Nathália Pandeló (aproveite e já siga sua newsletter, Imagina Só, que é imperdível). O papo da vez viaja no tempo para relembrar ICQ, MSN Messenger e afins, essas plataformas que nos ensinaram a conversar online e, de certa forma, ditaram as regras para como interagimos até hoje (para o bem, ou para o mal). Sai na terça, dia 20.
Bora manter contato!
Em 02 de setembro, chega mais newsletter para você. No meio tempo, vem pro papo no podcast@posjovem.com.br e siga o Pós-Jovem no Instagram e no Twitter, além do canal Acesso aos Bastidores do Whatsapp.