Também Sou Referência do Tempo que Passa
Porque me pediram para falar da "sensação de ser o novo velho"
Tem alguns prédios na minha rua, cercados de casas e vilas. Tem um ou outro comércio, consultório e tudo o mais, mas é uma rua predominantemente residencial, com um ou outro edifício mais alto a cada quarteirão. E o bairro inteiro segue essa dinâmica: Casinhas, um pouco de comércio, alguns prédios. De um tempo para cá, a especulação imobiliária que tanto conhecemos começou a derrubar vilas inteiras para subir alguns terrores de muitos andares, e sou daqueles moradores que, há nove anos aqui, ficam indignados com o processo. Como poderiam derrubar os sobradinhos geminados? Quem eles pensam que são para mudar o perfil do bairro assim? E demorou muito para eu conseguir olhar para o meu prédio e cair a ficha que ele também foi uma aberração que aterrorizou os vizinhos quando chegou à rua.
Faz 50 anos - acho que até mais - que ele foi construído. Eu, que nem sei o que é ter cinco décadas de vida, chuto aqui que o bairro deveria ser mais tranquilo ainda naquela época (acho que todo mundo que teve pais que cresceram em SP escuta histórias de uma cidade que hoje é só saudade), então o estrondo de nove andares sendo construídos de uma só vez deve ter sido ainda maior. O que para mim existe desde sempre, porque estava aqui desde que nasci, certamente causou assim que chegou para deixar os vizinhos, literalmente, na sombra.
A cidade me ensina muito sobre o tempo. Meu avô contava que construiu a terceira casinha de um bairro que era tudo mato e agora é só arranha céus. A pé ou de dentro do ônibus, sempre noto as construções que resistem até hoje, esprimidas cartunescamente entre os edifícios, uma deliciosa teimosia de daqui ninguém me tira. E minha própria história começou a contar de uma cidade que vivi e é hoje diferente. Dia desses, falei que no meu tempo (sim, desse jeito), o bairro ali onde cresci não tinha metrô, nem aquela estação de trem. No meu tempo.
Isso porque ser pós-jovem tem dessas de possuir uma linha temporal muito maleável - a tal da minha época pode ser a juventude, como pode ser hoje (e de fato é), já que estou vivo. O futuro também, aquele que ainda só existe no campo das ideias, também é meu. E por que não seria? Sabemos bem: Tudo é questão de perspectiva.
Do ponto de vista do bairro, com mais de século de vida, meu prédio ainda é novo. Para mim, não é que ele é velho, é quase eterno (nunca vi seu começo, só percebo sua existência). Para meus vizinhos (veja a dádiva que é morar em região universitária), eu sou um tiozão de meia idade. Já o síndico, com uma década a mais de vida que meus pais, me chama sempre de garotinho. Ninguém nessa história tá totalmente errado (nem o síndico!), e cada um vai dizer quem está mais ou menos certo de acordo com a maneira que vê as coisas em determinado contexto.
Acho que estamos aprendendo juntos que ser pós-jovem tem a ver com a perspectiva que temos do nosso envelhecer. No corpo, haverá sinais - dos dermatológicos às dores na lombar, passando pela ressaca e pelos medicamentos regulares -, mas entendo cada vez melhor que os fatores que me classificam como menos jovem dentro da minha cabeça são uns e, para quem me vê de fora, serão outros.
Nunca escondi que não me dou bem com TikTok (sempre que eu abro, alguém tá dando algum grito, acho desconfortável). Tenho preguiça de sair se for longe e/ou tarde, e não vou gostar se o som estiver muito alto e não dê para conversar (multidão também não rola). Quero sim comer cedo, dormir cedo, até acordar cedo. Gosto de cuidar do cachorro e das plantas, umas caminhadas durante o dia, aquele café entre uma atividade e outra. Bem senhorzinho mesmo - ainda mais se você perguntar para a molecada bebendo na esquina.
Tudo isso me aconteceu com tamanha naturalidade e igual honestidade. Não escolhi ser o mais novo velho do rolê. Quando fui ver, já era. E, quando me olham, enxergam alguém com uma boa quantidade de passado.
Ao mesmo tempo - o outro lado da moeda sempre vem, né? -, é com a mesma sinceridade que eu assisto à série que todo mundo está comentando (no caso, Industry)(mas não recomendo), estou ansioso pelos games que vão sair agora no fim do ano e sei quem é a cantora pop da vez (Chappell Roan ou Sabrina Carpenter, depende para quem você perguntar). São coisas que talvez não se esperam do senhorzinho, mas ser pós-jovem tem dessas.
Quando me pediram para falar sobre a “sensação de ser o novo velho”, a questão da perspectiva logo me veio à mente (além do amor pela contradição em “novo velho”, é o tipo de coisa que eu gosto). Vejo essa nova geração chegando (eu trabalho com gente nascida em 2000!), tratando o mundo à sua forma e apontando direções diferentes das quais eu estava indo antes. Estranho alguns desses movimentos, admiro outros. Em tudo, sei que não faço parte, sei que já sou o outro em alguns contextos. E é muito natural eu me sentir dinossáurico perto de alguém que entrou na faculdade muito depois de eu concluir a pós.
Mas aí tem o prédio, o bairro e a cidade - tudo meu, mas tudo me é anterior. São as mudanças que eu não vi acontecerem porque vieram antes de mim, tem também as transformações das quais eu ainda vou fazer parte. Acho que mais estranho do que ser “o novo velho” é mesmo dar-se conta de que o tempo é sempre, sempre, só questão de perspectiva. Para você também?
Dicas, dicas, dicas!
(Ou, neste caso, Discos, discos, discos!, porque amigos nossos que conhecemos tão bem do podcast estão com grandes novidades. Os títulos dos álbuns são links para o Spotify - aproveite!)
Tássia Reis - Topo da Minha Cabeça
Mais bamba do que nunca, Tássia Reis (#099) passeia pela musicalidade diversa que a formou na arte e dá continuidade à pulsão de vida do EP Bem Longe do Fim (e do nosso papo no episódio #233 - Baita Vontade de Viver). Criolo e Kiko Dinucci estão entre os convidados de um disco direto ao ponto, sem excessos, com beleza de sobra.
Quando passou pelo episódio #217, Kaê comentou que nos faria dançar em breve, e chegou a hora de cumprir a promessa. Forest Club é um disco longo, com quase uma hora de duração, mas ele passa tão rápido, em um só pique, e a vontade é escutar mais das batidas e de sua voz - seja cantando em português, zeeg’ete, inglês ou espanhol - acompanhada de gente como Gaby Amarantos, Dino D’Santiago e Rincon Sapiência. Divertidíssimo.
Quem escutou o recente episódio #249 sabe bem que o vocalista da banda Terno Rei tratou de temas bastante pós-jovem na faixa Ontem. Ale (#111) desenvolve outros assuntos pertinentes ao momento que vivemos em uma sonoridade sempre muito gostosa de escutar, no meio do caminho entre o original e o familiar (assim que é bom).
Já escrevi bastante de Portal no Monkeybuzz e no Música Pavê, mas toda desculpa para falar um pouco mais de Rashid (#033) é mais do que válida. E o que ele mandou agora é todo um disco transformado pela chegada de Cairo, seu primeiro filho. Convidados ilustres, musicalidade boa e aquela sagacidade nos versos que conhecemos tão bem. Imperdível.
Por falar em Spotify…
Deixa eu falar, porque vai que você não viu: O Pós-Jovem tem agora uma playlist com de essenciais. É uma lista com 25 episódios que resumem muito bem o que o podcast é (na variedade dos temas, no perfil dos convidados etc.), para quem chegou agora e não sabia por onde começar. Vale também para quem sempre esteve por aqui, mas pode ter deixado algum deles passar. Deixo aqui o link no Spotify.
E já que estamos aqui…
Quem acompanha meu trabalho (pô, valeu pela moral!) sabe que estou há seis meses promovendo um curso chamado Diálogos de IA: Conceitos e Aplicações. Ele explica os fundamentos de inteligência artificial, desde seu funcionamento às questões éticas que estão sendo discutidas ao redor do globo. O propósito é oferecer letramento para quem entendeu que essa tecnologia não é o futuro, mas já o presente. E vai rolar agora no dia 28 de setembro (sábado) das 10h30 às 12h30 a última turma aberta do curso (depois dessa data, ele só vai acontecer em escolas, empresas e afins). O preço é simbólico (100 reais) e todas as informações, incluindo inscrição, estão no perfil @andrefelipez do Instagram.
E no podcast…
É sempre especial trazer alguém às vésperas dos 30 anos ao Pós-Jovem, porque me lembra bastante o comecinho do podcast, lá em 2019, quando esse era um tema recorrente. Igor Pires, o cara por trás do perfil Textos Cruéis Demais para Serem Lidos Rapidamente, vem ao PJ para um papo sobre essa nova etapa e como foi passar os 20 anos a limpo em seu mais novo livro de poesias, o recém-lançado Este É um Corpo que Cai Mas Continua Dançando. Papo massa que sai na terça, 17, no comecinho da tarde.
Bora manter contato!
Em 30 de setembro, chega mais newsletter para você. No meio tempo, vem pro papo no podcast@posjovem.com.br e siga o Pós-Jovem no Instagram e no Bluesky, além do canal Acesso aos Bastidores do Whatsapp.
me reconheci nessa figura da pessoa pós-jovem hahah! os 30 trazem uma mudança de perspectiva muito interessante e, por aqui, bem-vinda