Como Eu Vim Parar Aqui? Eu Só Tenho 30+ Anos
Ou: "Ser pós-jovem é sempre encontrar uma nova infantilidade para chamar de sua"
A diferença de idade entre minha irmã e eu é de cinco anos. Isso definiu, é claro, muito da nossa dinâmica ao longo da vida. Quando eu era criança, ela era bebê. Quando ela virou criança, eu já tava em outra. Quando ela chegou nessa fase, eu já trabalhava. Enfim, tudo isso para dizer que, voltando ali à infância, tinha algumas coisas que eu não podia assistir na TV com ela na sala, porque ela tinha medo. Lembro especificamente de episódios com lobisomens no Mundo da Lua e no Castelo Rá-Tim-Bum que se ela visse, assim, um pouquinho que fosse, já começava a chorar porque teria pesadelo - à noite, essa pequena profecia se concretizava, atrapalhando o sono dela e o meu também (porque dividíamos quarto nessa época). E acho que tem umas coisas que entram em nossas cabeças como índices inconscientes, ou seja, paradigmas que não percebemos que temos até que sejam confrontados. Não poder ver algo na televisão porque dá pesadelo ficou registrado na minha mente como infantilidade.
Corta a cena para abril de 2024 e André Felipe de Medeiros, às vésperas dos 40 anos, percebe que não pode assistir a uma série de suspense à noite, porque se não tem pesadelos. Sim, isso mesmo que você leu. E nem estamos falando de um programa de terror ou algo assim, mas de um thriller - no caso, Ripley, na Netflix - que, para alguém que consome basicamente só comédias todos os dias, que me deixou tão nervoso, tão envolvido naquela trama, que desencadeia sonhos de perseguição muito doidos todas as vezes que vi um de seus oito episódios à noite. O último eu vi hoje na hora do almoço, então não sei ainda se deu tempo suficiente pro meu cérebro entrar em outro clima, tô achando que deu. Mas, você sacou, o lance aqui é a sensação de ter não quarenta, mas uns quatro anos de idade e não poder ver tal coisa à noite.
Vou dizer que nem foi algo tão inédito assim. Há quase dez anos, percebi que não podia jogar algo como GTA ou Red Dead Redemption à noite pelo mesmo motivo - não necessariamente um pesadelo, como os que tive na última semana, mas sonhos aceleradíssimos, com correria, fuga e, às vezes, algum tipo de violência. Faz sentido, esses jogos são muito estimulantes, mas eu não achei que a realidade seria a mesma com uma série. Eu até medi meu batimento cardíaco no relógio vendo o último episódio e tava em 96 (costuma estar entre 70 e 80 e pouco), então tenho a confirmação de como meu corpo tensiona ao ver a série. Mas, sabe como é, comecei porque tem Andrew Scott (fãs de Fleabag entendem) e, se iniciei, não poderia largar pela metade (regras são regras, mesmo se só existirem dentro da minha cabeça). Eu só não contava que teria o mesmo efeito do videogame.
O que foi surpresa também é a sensação de infantilidade que essa situação toda me trouxe, já que, para mim, ter pesadelo por ver algo na televisão era coisa de criança - o paradigma que eu mencionei sendo colocado à prova. Mas, parando para pensar, entendo que temos vários comportamentos que, mesmo se não tiverem sido herdados da infância, nos levam a um lugar de vulnerabilidade, onde nos sentimos indefesos, daquele jeitinho que nos sentíamos aos quatro, cinco ou seis anos. E entendo também que é necessário um minimozinho de maturidade para confrontar, lidar ou mesmo, em um primeiro momento, perceber isso.
Outras duas situações recentes ao meu redor: Estava compartilhando umas imagens que ficaram de fora do Obsoleto Futuro com uma amiga e me surpreendi quando ela respondeu “essas me dão medo”. Para mim, eram imagens com nada demais, e eu tive que perguntar se ela entendia de onde vinha isso. Ela disse que não, era só medo. Perguntei se era para eu parar de compartilhar as imagens e ela disse que não, que estava tranquilo, para mandar mais. Ou seja, é um medo bem irracional, que passa longe da lógica, mas que ela sente. E, quando ela pensa, reconhece que pode lidar de outra forma. E isso é massa.
Teve também outra amiga, nessa semana também, com quem estava comentando sobre atividade física e chegamos ao assunto da musculação, que ela disse que não gosta de fazer. Eu disse que eu também não, por isso que, quando me disseram que eu tinha que fazer no mínimo duas vezes por semana, eu adaptei a agenda para fazer literalmente duas vezes por semana. Daí encorajei que ela começasse também assim, nem que só um par de dias. E ela respondeu: “Eu me conheço. Se não tiver algum prazer envolvido, eu não vou conseguir sustentar essa escolha”. E, assim como na amiga do parágrafo anterior, achei maduro pra caramba, mesmo se fui ensinado (e talvez você também tenha sido) que a vida adulta é formada por escolhas feitas sem levar em consideração o prazer.
Fico pensando que essa é mais uma dentre as tantas contradições que nos formam enquanto pós-jovens: Sermos sábios o suficiente para reconhecermos e lidarmos com nossas infantilidades. Talvez é por isso que eu me recompenso com um chocolate, por exemplo, porque eu sei que a minha criança interior ainda é quem move muitas das minhas motivações e decisões, e o bombom ali no meio do expediente na sexta-feira é um incentivo para aquele último gás antes de sextar. É infantil e maduro ao mesmo tempo.
Ainda no assunto dos índices inconscientes que eu mencionei lá atrás, tem outro que envolve a minha irmã e eu precisei confrontar: Toda pessoa cinco anos mais nova que eu era imediatamente catalogada no meu cérebro como “nossa, muito nova, um neném”. Fazia sentido quanto eu tinha sete anos, não aos 27. Pior ainda: Eu não tinha essa reação com pessoas seis ou sete anos mais novas, só as com cinco. E, sim, levou embaraçosamente muito tempo, mas muito mesmo, até eu me dar conta que praticava esse comportamento tão infantil sem me dar conta. Que bom que uma hora a ficha cai.
Agora, torça comigo para que os pesadelos não venham nesta noite. Próximo passo: Negociar com meu lado infantil alguma flexibilidade para essa regra que diz que preciso terminar toda série que começo - ou, mais fácil, bora voltar para as comédias de sempre e relaxar dando risada antes de ir dormir. Pode parecer uma fraqueza, mas é autoconhecimento.
Dicas, dicas, dicas!
Alguns trabalhos de convidados do Pós-Jovem do meio musical acabaram de sair e eu, com muito orgulho, sinceridade e bom gosto (opa!), quero aproveitar para sugerir agora. Já falei de Tássia Reis (episódos #99 e #223) e Jota.pê (#169) no Música Pavê (leia lá!), então vou focar nos outros.
No finzinho de janeiro (mas parece que foi ontem!), o pernambucano passou pelo podcast no episódio #214, e aproveitou para contar um pouco sobre o disco, inclusive explicando o conceito por trás do nome. Além de Maria Bethania, a obra traz Chico César, Zélia Duncan e Zé Manoel entre os muitos convidados, em um clima emocionado e musicalmente rico como conhecemos de Almério.
Doideira, já passou seis meses desde que Rita Oliva (#015) passou aqui na newsletter e disse que estava finalizando um disco. Pois bem, ele nasceu e é maravilhoso. Tem produção de Felipe Puperi (Tagua Tagua)(#171), participação de Luiza Lian (#198) e aquele clima bom de álbum onde você quer entrar e não sair nunca mais.
O mesmo define o terceiro álbum de Lio (#001), Lay (#036) e Machado (#094). Paisagem é imersivo, sensível (como sempre) e bastante divertido, entre umas batidas convidativas e aquela atmosfera carismática que Tuyo é craque em construir. Discão do início ao fim.
Já que estamos aqui…
Deixa eu te contar uma coisa: Foi com amor, carinho e uma vontade danada de mudar o mundo que eu desenvolvi o curso Diálogos de IA: Conceitos e Aplicações. É um intensivão de duas horas em que eu vou contar muito do que eu aprendi nesse ano e meio que tenho pesquisado inteligência artificial. Como sou eu falando, é claro que acaba rolando um viés a partir da comunicação e da cultura, mas a ideia é capacitar pessoas que entendem que precisam participar das conversas sobre esse tema em suas áreas de atuação e meios sociais. Estou bastante orgulhoso do material, admito, e quero te convidar a estar conosco no dia 24, das 18h às 20h. Você encontra todas as informações no Instagram, mas não hesite em entrar em contato se quiser saber mais.
E no podcast…
Às vésperas de estrear em um novo núcleo de Renascer, a atriz e roteirista Galba Gogóia visitou o Pós-Jovem para falar de autoconhecimento, criatividade e seus muitos projetos - além da novela, ela está trabalhando em filmes, séries e uma peça de teatro com (spoiler!) Gabriela Loran (#179). Episódio muito legal sai nesta terça, dia 16.
Ainda nesta semana, acontecem gravações de duas Salas de Bate Papo - formato do Pós-Jovem com ouvintes -, algo que eu quero fazer há muito tempo e sempre esqueço. Então, espere esse episódio chegando muito em breve para você também.
E logo teremos grandes novidades no Pós-Jovem. Vou ser sacana e falar que tem uma dica dela aqui nesta edição da newsletter. Tá bem na sua frente, “se fosse um bicho, te mordia”, como diziam os antigos (será se ainda dizem?). Enfim, aguarde só um pouquinho, vai valer a pena.
Bora manter contato!
Em 29 de abril, vem mais newsletter para você. No meio tempo, vem pro papo no podcast@posjovem.com.br e siga o Pós-Jovem no Instagram e no Twitter, além do canal Acesso aos Bastidores do Whatsapp.
Te entendo, amigo, eu nunca superei os filmes de terror, até hoje me encolho toda haha a vida tem que ter algum mistério, sabe?