Como Pode, na Era da Customização, a Vida Não Ser Como Eu Queria?
Tudo isso porque fui escutar Coldplay das antigas
Tenho escutado bastante rádio - eis uma frase que eu há alguns anos não imaginaria que eu fosse dizer em 2024, mas essa é a minha verdade no momento. Começou quando, há alguns meses, fiquei naquele impasse de não conseguir escolher um disco para escutar dentre as milhares de opções e, como bem sabemos, não precisar escolher é o segredo da felicidade, ou um deles. Deu certo, peguei gosto pela coisa.
Tem um programa de samba na Nova Brasil FM à noite que coincide com a hora que eu tô esquentando a janta depois da academia e esse momento já é praticamente um ritualzinho aqui em casa. Às vezes, escuto o amigo Felipe Tellis (#184) enquanto me preparo para almoçar. E, para todas as outras horas, tem aquele combo Alpha FM + Antena Um, que sempre traz alguma música que me faz cantar bem alto no refrão. Que prazer!
Voltando ao André Felipe de tempos atrás, era difícil para ele escutar rádio pelo mesmo motivo que eu voltei a essa mídia: O pleno descontrole com o que está no ar, um descompasso com uma das maiores tendências da nossa era - ao menos de acordo com o mercado de tecnologia -, que é a customização das coisas. Eu escolho quando vou escutar um podcast, ver um programa de TV ou filme, graças ao streaming, e o mesmo vale para música, é claro. Para uma pessoa obsessiva como eu, a ideia de poder fazer algo, ou tudo, do meu jeito e no meu tempo é completamente tentadora. E por isso mesmo eu tive que recusar.
Teve um dia aí, era algum meio de feriado que eu acabei indo malhar de manhã (o que só acontece em meios de feriado, quando a academia fecha às 14h), e só por isso eu sei que já estava com minha cabeça meio querendo escapar daquela situação (pelamor, eu não nasci pra me exercitar cedo). E o tal do escape veio quando eu estava rolando o Spotify, vi o nome Coldplay e deu uma saudadezona daquilo que eu vivi com a banda quando eu era bem novinho, em seus primeiros trabalhos.
Para te situar melhor: Não é que eu gostava de Coldplay. Lembro a primeira vez que vi o clipe de Yellow no TVZ do Multishow. Eu tinha um poster gigante de A Rush of Blood to the Head em cima da minha cama (uma arte linda que eu chorei quando o papel não aguentou mais e resolveu se rasgar sozinho, culpa da ação do tempo e da gravidade). Eu fui ao primeiro show da banda no Brasil, em 2003, e ainda lembro detalhes daquela noite, tamanha sua importância na minha constituição de pessoa frequentadora de shows. Mais que isso, eu tinha um blog chamado Coldplayer para escrever as coisas que eu pensava e sentia, quando eu era jovem o bastante para querer escrever sobre as coisas que eu penso e sinto em um blog. Sacou? Naipe top 5 bandas da vida.
E lá estava eu, escolhendo reviver tanta coisa que aqueles discos me trazem (os três primeiros álbuns, para ser exato. Viva la Vida, o quarto, me desperta algumas lembranças, mas meu envolvimento com o grupo já era outro quando ele saiu em 2008). Do elíptico aos aparelhos, e depois no colchonete fazendo abdominais e alongamentos, minha mente aguentou aquela manhã toda escutando Coldplay e formulando obsessivamente uma fantasia: E se a banda fizesse uma turnê de comemoração de sei lá quantos anos tocando só o repertório desses discos?
Eu não sei se você também é assim (sinto muito se for o caso), mas nessas horas que eu preciso de um mecanismo de defesa (tipo academia numa manhã de meio de feriado), minha mente capricha nesses devaneios. E lá estava eu planejando a turnê do jeito que eu gostaria que ela fosse, principalmente, é claro, o repertório do show. Não, sério, se liga:
Sim, é o repertório perfeito, na ordem perfeita, e não vou aceitar discussão.
(Nota do editor: Não sei se o Substack está embedando a playlist acima. Qualquer coisa, veja neste link)
E se você acha problemático de alguma maneira eu ter passado todo aquele tempo nos meus devaneios, fantasiando até o roteiro do show, eu vim aqui para piorar a situação: Por alguns segundos, me bateu uma sensação ruinzona, aquela que dá quando estamos diante de um desejo que nunca vai se concretizar. Ainda se a banda fizesse uma turnê dessas (não vai) e se recusasse a tocar em estádios (que é um rolê que eu não curto), é claro que as coisas não seriam como eu quero, pelo simples fato de que a vida é assim mesmo, do jeitinho dela, não do nosso.
Trago verdades óbvias, mas que nós, pós-jovens na era da customização, às vezes nos esquecemos. Fazemos tantas decisões para deixar o mundo mais com a nossa cara que ficamos com a impressão de que tudo na vida vem com um botão de configurações para adequarmos suas funções às nossas necessidades, ou mesmo expectativas.
Eu escolho a hora de dar play no filme ou série, mas eles não foram feitos de acordo com meu gosto. É assim mesmo. Pode acontecer também de pedir de novo aquilo que eu gostei no restaurante, mas não vir como na outra vez. Normal. O tênis tá na promoção, mas não na cor que eu queria. Acontece. E nenhum emprego vai ser 100% como eu gostaria que fosse. Nem o curso, a igreja, a academia. Menos ainda, as pessoas. Ah, as pessoas. Elas respondem, elas reagem, elas são do jeito delas, não como eu projetei. Repito: Normal.
E nós aqui ou abraçamos o descontrole total sob o qual vivemos, ou a sensação de mal estar do desejo que nunca será concluído vai nos fazer muita companhia. Vai lá, customiza a aparência do seu celular ou alguma bobagem assim, porque, no fim das contas, mesmo se o mercado tentar nos convencer que discorda, sabemos que não temos poder sobre nada.
Só controlamos mesmo as escolhas que fazemos para lidar com essas verdades universais que nos frustram de um modo tão irracional. Sendo assim, vale focar nas decisões que nos relembram que não vivemos em um mundo customizado aos nossos ideais - como o rádio.
Vai ter propaganda, vai tocar música que você não gosta, vai cortar a sua favorita antes do fim. Mas vai te surpreender com aquela lá que você nem lembrava que existia e te mostrar uma versão que você nem sabia que tinham feito. Dói e é delicioso, ou vice-versa. Ouça rádio.
E no podcast…
Como eu comentei na última edição da #newsletter, tive o prazerzão de me reunir com alguns dos ouvintes do Pós-Jovem para gravar nova Salas de Bate Papo.
Se você não conhece o formato, ele surgiu para o episódio 100 do podcast, em 2021, que trouxe três papos diferentes com três grupos de ouvintes. Foi uma experiência muito legal que eu tentei fazer de novo tempos depois, não rolou, e eu meio que me esqueci de organizar de novo (acontece!).
A ocasião da vez, assim como na original, é de comemoração: Pós-Jovem completa cinco anos de atividade agora em maio, e as novas Salas de Bate Papo dão a largada nas comemorações.
Para honrar a data - e compensar pela demora para novos episódios nesse formato -, teremos não um, mas dois episódios assim nesta semana.
Na terça, 30 de abril, Ricardo e Vinicius conversam comigo sobre autoconhecimento, timidez e a famigerada masculinidade - um tema sempre urgente para nossa geração.
Depois do feriado, na quinta-feira (dia 02), duas amigas nossas do episódio 100 retornam ao podcast: Deborah e Lilian (que não se conheceram na outra vez) falam de mudanças entre fases da vida, nossas relações com nossas casas e como nos reencontrar quando tudo está diferente.
Sério, que baita semana. Vocês vão amar também.
Bora manter contato!
Em 13 de maio, vem mais newsletter para você. No meio tempo, vem pro papo no podcast@posjovem.com.br e siga o Pós-Jovem no Instagram e no Twitter, além do canal Acesso aos Bastidores do Whatsapp.
Acho que a ilusão de customizar a vida do nosso jeito é tipo aquela parada do pêndulo do Schopenhauer se conseguirmos vamos perceber que não é como imaginávamos. Já dizia Raul Seixas: "Gente tá sempre querendo chegar lá no alto pra no final já cansado descobrir que tudo é tão chato, e o engano é tão fácil de se entender, é que gente, gente nasceu pra querer".
Quem sabe daqui alguns aninhos a mistura de um Sora com um Apple Vision Pro ou similar não realiza sua fantasia? Hahaha