Influenciadores: Esvaziamento e Desejo na Produção de Conteúdo
Parece tema de TCC, mas é só um desabafo
Mais curioso do que eu? Desconheço. Por isso, eu sou feliz toda semana devorando horas de YouTube, navegando de site em site e alimentando esse meu vício em informação. Tenho amigos que fazem o mesmo também com o TikTok - uma amiga aprendeu a arrumar o armário e outro, uma receita nova, por exemplo -, não uso, mas respeito isso demais. E é por isso tudo que é uma honra muito grande para mim, um verdadeiro privilégio, poder contribuir com material que mais gente pode desfrutar também nas tantas coisas que produzo toda semana, em texto ou áudio - dia desses, um amigo me perguntou quando vou escrever um livro, e eu respondi: “Quantos será que eu escrevo por ano?”. E quanto mais eu penso nessa missão, mas respeito tenho por quem também está engajado nela. Respeito e também gratidão. Ao mesmo tempo, tem me dado um frio na espinha, um nó no estômago e uma terceira analogia corpórea sempre que eu escuto o termo produção de conteúdo.
Quem é pós-jovem deve se lembrar que, há uma década e tanto, usávamos esse termo para se referir a essa atividade que eu descrevi, de quem compartilha conhecimento. E embora ainda hoje existem aqueles que usam a expressão dentro desse contexto, você sabe tão bem quanto eu que seu uso popular tem mais a ver com a criação de um material para redes sociais que, ao meu ver, tem três propósitos (e é claro que eu estou falando de uma maneira muito generalista, mas vem comigo que você vai entender): A distração, a descartabilidade e a autopromoção. Da dancinha à briga forçada, passando pelas poses, caras e bocas, tudo é feito para um consumo imediatista de alguém que está só se distraindo ali naquele app, verá a imagem ou vídeo por algum tempinho e logo deixará para lá. A única coisa que fica é o like, ou equivalente, para somar ao número acumulado por aquela pessoa ou marca e, assim, fazer com que o algoritmo mostre ainda mais dela aos outros.
Sei que parte da minha birra tem muito a ver com a própria palavra conteúdo - quem me conhece sabe que eu sou o tipo de pessoa que implica muito com os significados. Passamos a vida escutando que um livro, curso ou até mesmo pessoa era “de conteúdo” para denotar algo muito positivo. Lembra? Como é bom conversar com alguém que tem conteúdo. É um emprego das palavras completamente diferente desse modo contemporâneo que eu mencionei. Mas é isso, estamos em um evento ou algo assim e a pessoa fala “espera aí, deixa eu fazer um conteúdo aqui” e grava o vídeo mais vazio possível.
Esse esvaziamento é também interessante de notar, né? A intenção de entregar um produto “oco” no que diz respeito à mensagem, mas, ainda assim, é informação em algum grau - nem que seja no sentido mais essencial do termo no que diz respeito à comunicação, como aquilo que é transmitido de um para outro(s). Em outras palavras: As pessoas querem esvaziar seus pensamentos, para descansar um pouco suas cabeças, consumindo informação. Portanto, é claro que o vídeo da dancinha, ou apenas do sorriso em um cenário bonitinho serão as melhores opções para serem ofertadas.
Vamos então falar agora de quem está produzindo esse tipo de material?
Vou me repetir aqui e dizer algo que quem escuta o podcast já deve ter me ouvido dizer: Acho perigoso, em um nível Black Mirror, que uma pessoa que publique fotos de sunga tenha poder de ditar sobre quem outra pessoa vai votar na próxima eleição. Mas, por quê? Por que quem faz a dancinha para distrair alguém acaba tendo tanta voz, tanta relevância, tanta influência? Tenho dois palpites.
O primeiro é o senso de normalização que essas pessoas apresentam. Seus corpos viram modelos de como outros corpos deveriam ser, seus acordos comerciais constróem ideias de quais produtos, ou quais tipos de produtos, as pessoas consomem, assim como os locais onde precisam estar e até mesmo quais são os padrões de comportamento que se espera de alguém. Acompanhar essas pessoas é ter algum norte de como a minha vida deveria ser, afinal elas estão ditando - ou ajudando a ditar - o que é normal. Vem de uma necessidade muito humana, muito sincera, de seguir os passos dos outros para tentar ser aceito pelo coletivo/sociedade, e a insegurança que existe no risco de não estar dentro dessa normalidade, ou de ser anormal. Como sabemos, essa insegurança é muito lucrativa.
Meu outro palpite tem a ver com desejo e projeção, embora eu saiba muito pouco de psicanálise para usar tão livremente esses termos. O que eu quero dizer é que existe um processo de fetichização que acontece quando essas pessoas colocam seus corpos em evidência e constróem uma ilusão de intimidade com os seguidores. Você sabe que a pessoa estava malhando às 8h30, almoçou tal coisa às 13h, e, horas depois, estava com fulano em outro lugar. São três fatos isolados, mas suficientes para nossa mente preencher as lacunas com uma sensação de proximidade, aquele “estive com você o dia inteiro”. Dessa cumplicidade, vem a confiança.
A projeção, dentro dessas dinâmicas ilusórias de proximidade e normalidade, dita que essas pessoas são quem nós ou queremos ser, ou queremos ter - sexualmente dizendo, em muitos casos. Ou seja, o nosso desejo acaba sendo o produto oferecido por quem se diz influenciador: Eles nos revelam um pouco mais do que queremos ser ou ter, e é a projeção daquela vida ali que eles aparentemente têm que nos move do lado de cá. Ficam aí um ovo e uma galinha: Não sei se eles revelam a vida que nós gostaríamos de viver, ou se esse desejo é criado a partir do que nos foi oferecido por eles.
De qualquer forma, ser pós-jovem é saber ter um olhar crítico em relação a tudo o que nos é oferecido, na Web e fora dela, e ter uma melhor noção de quais perfis comunicam algo que me faz bem - ou melhor, quais deles têm conteúdo -, e quais são aqueles que eu vou precisar parar de seguir, porque me deixam ansiosos com o não ter ou não ser. E ser pós-jovem é também compreender que os ditos influenciadores são um fenômeno do nosso tempo e que essa situação, ainda que irreversível, pode ser dialogada para amenizar seus danos - e é por isso que estamos aqui.
Escrever sobre isso na semana seguinte a episódio com Marianna, ou Mari Ribeiro, no Pós-Jovem #222, não foi à toa. Fiquei pensando em como ela reuniu conhecimento em seu canal De Mudança, a própria Marianna conta como se empenhou para os vídeos e como eles tiveram impacto positivo em tanta gente. Isso é conteúdo, né? Outros influenciadores que já apareceram no podcast tiveram relevância para mim tanto para humanizar aquilo que eles buscam oferecer nas redes, quanto para compreender melhor essas dinâmicas.
Cabe a nós, pós-jovens, entendermos quais são as vozes que vão preencher nossa mente na hora de esvaziá-la. Tudo bem ver o vídeo da dancinha, mas melhor ainda é ficar esperto para ver se ele nos desperta alguma coisa que não precisa estar ali. E cabe a mim dar um jeito de perdoar quem chama meu trabalho de produção de conteúdo, por mais difícil que isso seja.
Me Fala de Você
Como você tem vivido essa tal era de influenciadores? Lembro que me chamou muito a atenção lá no comecinho do Pós-Jovem, em 2019, quando redes sociais surgiam em quase todos os episódios sem que eu tocasse no assunto, e quase sempre de uma maneira negativa.
Você tem conseguido driblar as mensagens que não te fazem bem? Ou, ao mesmo tempo, tem conseguido encontrar conteúdo que te traga algo bom?
Comenta aí embaixo, eu vou amar te conhecer melhor!
E no podcast…
Meses e meses e meses depois do último episódio especial, estava mais do que na hora de agitar algo em outro formato diferente do convencional, de todas as semanas, no Pós-Jovem.
Eu estava na festa de lançamento do EP Bem Longe do Fim, que Tássia Reis (#099) lançou no mês passado, e lembrei de uma conversa que tinha tido ali naquela semana com Lila (#082). Ambas as artistas estavam trabalhando em músicas que traziam como tema a vitalidade, um olhar mais desperto e ativo para o tesão que a vida pode ter.
Sentei com as duas dia desses para conversar sobre essa baita vontade de viver que a gente tem encontrado, principalmente depois do isolamento na pandemia. O resultado foi um papo mega sincero e bem humorado que sai nesta terça, 02 de abril.
Bora manter contato!
Em 15 de abril, vem mais newsletter para você. No meio tempo, vem pro papo no podcast@posjovem.com.br e siga o Pós-Jovem no Instagram e no Twitter, além do canal Acesso aos Bastidores do Whatsapp.
Durante a pandemia eu desenvolvi um apego muito parasocial Maluco com um grupo de streamers que vivam lá em casa preenchendo o silêncio. Quando drama entre eles surgiu até me afetou de leve e tive que dar uns passos pra trás e reajustar minhas relações com “influenciadores”
Mano, esse foi longe! Só queria dizer que vivo uma relação de amor e ódio com tudo isso. Porque abraço qualquer oportunidade de fazer meu cérebro relaxar - ele tá tão pilhado o tempo todo que cansa! Mas, por outro lado, eu me sinto um cocô depois de meia hora dando scroll de forma completamente passiva e sem resistir à próxima dose de estímulo, igual um ratinho num laboratório. A gente é muito babão mesmo, vou te contar... Já sabemos os caminhos possíveis - buscar uma atividade que não seja ficar no celular, ou só abraçar o caos sem culpa -, mas né, dá muito trabalho...