Me Faz Chorar e É Feito Pra Rir
O título é Los Hermanos, mas o texto fala de Seinfeld #referências
Talvez seja uma surpresa para você, ou se pá só eu vou prestar atenção nisso, mas vou me permitir falar sobre outra pessoa aqui na newsletter. Tudo bem que é alguém cuja identidade se confunde com a obra e é difícil entender até onde vai a pessoa e em que ponto que aquilo vira produto - sabe como é, a indústria do entretenimento é cheia de suas metonímias. Mas é por isso mesmo que eu reluto em tratar um indivíduo como tema nesse espaço que tem a humanização em sua essência. Enfim, vamos conversar sobre Jerry Seinfeld?
Estamos falando de um dos nomes mais poderosos de Hollywood, um comediante que conseguiu inverter algumas lógicas da televisão nos anos 1990 ao fazer uma série declaradamente sobre nada: Seinfeld aproveita o formato sitcom (situation comedy ou “comédia de situação”) para trazer a cada episódio uma breve história pautada por coincidências, incidentes ou apenas observações da vida cotidiana de um grupo de amigos. O resultado? Um dos programas mais respeitados nos EUA e no mundo.
Há poucos anos, Seinfeld (a pessoa) foi notícia com um novo contrato multimilionário com a plataforma Netflix (onde a série está disponível no Brasil) para alguns especiais e um filme, A Batalha das Pop-Tarts (ou Unfrosted, no original), que saiu agora em maio. Segura essa informação aí, porque eu preciso de ainda mais dois parágrafos falando sobre Jerry em si antes de comentar o longa.
Outra obra bem interessante assinada por ele, produzida ao longo da década passada e disponível na mesma Netflix é Comedians in Cars Getting Coffee (que não teve seu nome traduzido, não me pergunte por que), um bate papo entre comediantes pautado por cardápios de restaurantes e uma das paixões declaradas desse homem: Carros. Gosto muito, vi alguns episódios mais de uma vez. Mas assistir a todas as temporadas me deixou com uma inquietaçãozinha no coração, ou sei lá onde guardamos nossas perturbações, que era uma impressão dele estar ficando para trás não como comediante, mas como um cidadão da nossa época.
Doeu no coração ouvi-lo falar recentemente, durante a promoção de Unfrosted, que não se fazem mais comédias como antigamente (uma ideia que carrega consigo uma certa náusea, né?) por conta do politicamente correto pregado pela - prepare-se - extrema esquerda (ou você achava que só sua família soltava termos assim sem pensar muito no que isso quer dizer?). Mas é isso, a suspeita (ou medo?) que eu tinha de pensar em um Jerry Seinfeld completamente tiozão ao ver Comedians in Cars foi confirmada por suas próprias palavras, e também por seu próprio filme. Agora sim, vamos a ele.
A Batalha das Pop-Tarts impressiona pela quantidade ridícula de grandes nomes no elenco. A cada poucas cenas, aparece alguém muito conhecido de alguma série, filme ou da cena de stand up, e isso, por si só, gera algum sorriso de boa surpresa. Não é de se espantar, se você parar para pensar, já que o nome Seinfeld na produção consegue trazer quem quiser para o filme. Fora isso, se eu dei três risadas, foi muito.
A história se passa nos anos 1960 e traça um paralelo entre a corrida espacial, durante a Guerra Fria, e a disputa entre duas indústrias cerealistas que querem dominar o mercado com um novo produto (as “pop tarts” do título, uma espécie de massa recheada com geleia)(cá entre nós, quinze anos depois e ainda não me habituei a escrever geleia com acento). Tudo é grandioso e excessivamente saudosista. E isso me caiu um tanto mal.
Há aquela nostalgia gostosa de sorrir ao se lembrar de algo do passado - tema que já rendeu texto por aqui antes -, o problema é a vontade de negar o presente em uma romantização da vida de ontem. E essa é a impressão que Unfrosted deixa. Tudo bem criar uma obra aos moldes do cinema infantil de outrora. E não tem problema ambientar uma narrativa 60 anos atrás. Mas e quando tudo isso é feito em paralelo à insatisfação com as comédias de hoje e o “não fazem mais como antigamente”? Sacou a amargura?
O filme me deixou meio triste. Nem tanto por ele ser fraquinho - ah, faz parte, já perdi tempo com coisas piores, acontece -, mas porque fiquei pensando nesse lugar deslocado onde um dos caras com legado mais bacana dos últimos tempos se encontra hoje. Uma espécie de margem onde ele não foi colocado, mas aonde a onda parece ter levado. É um lugar de infelicidade para qualquer um, mas ainda mais para alguém que sempre esteve no centro de tudo.
Vou te contar que Jerry Seinfeld teve o primeiro especial de stand up que eu vi e me apaixonei, aos 14 anos. Eu gravei em uma VHS e revi a ponto de decorar muitas das piadas. Como é de se esperar com qualquer criança dessa idade, eu coloquei o cara em uma posição de herói, após tantas conquistas tão grandes - pensa comigo, a série mais respeitada daquela época tinha seu nome.
Mas vou dizer também que a tristeza vendo o filme veio por ele ter esbarrado em um grande medo que eu tenho. Ou melhor, envelhecer só me traz hoje dois grandes medos. Um é o esperado, e talvez mais compartilhado, que é o de perder uma ou mais funções do meu corpo à medida que o tempo passa. A outra é a incapacidade de diálogo com o tempo, no sentido da cultura vigente.
Não quero ser o tiozinho que tenta se enturmar com a molecada (já pensou o horror?), mas pior ainda é ser o tiozão que a correnteza levou por não ter conseguido se adaptar às novas realidades. Vejo Only Murders in the Building, com dois atores um pouquinho mais velhos que Seinfeld (Steve Martin e Martin Short) ou Grace and Frankie (com Jane Fonda e Lily Tomlin, atrizes quinze anos mais velhas que ele), além das entrevistas com esse pessoal todo, e se que o diálogo é possível - e bastante divertido.
Vale rever Seinfeld e dar umas risadas. Vale conhecer Comedians in Cars e notar como o tempo passa. Mas Unfrosted chegou para mim como uma história melancólica e até mesmo uma lição de moral de algo que eu já aprendi antes: Envelhecer só é ruim de fato se os ouvidos e olhos estão tampados.
E no podcast…
Mas, vamos falar de coisa boa, como dizia o meme? Comecei aqui a falar de humor porque teremos em breve uma dupla de episódios que tocam nesse assunto também, cada um a seu modo.
Antes, no entanto, vem um papo super sincerão com Mãolee, produtor musical que ficou conhecido pelo trabalho ao lado de Filipe Ret há alguns anos. No podcast, ele conta o pano de fundo em que fez o recém-lançado disco CONFIA, fala como é realizar diariamente seus sonhos de trabalhar com música e comenta a relutância em amadurecer, que viveu quando era mais novo. sai na terça, 25 de junho.
Dois dias depois, começa a micro temporada de comédia no Pós-Jovem. Primeiro, nossa amiga Nathália Pandeló (da newsletter Imagina Só) levanta o papo sobre uma das séries mais formativas para nossa geração: Friends. De cenas memoráveis a críticas de quem não quer tampar olhos e ouvidos para os novos tempos, é um papo super completo. Sai na quinta, 27.
E já adianto aqui que o tema se repete na outra terça, 02 de julho, com a visita da sempre ótima Júlia Rabello ao Pós-Jovem. Ela relembra o momento quando Porta dos Fundos lhe projetou nacionalmente, comenta alguns dos valores que enxerga nas comédias (spoiler: Ela cita Friends também!) e nos permite conhecer quem é essa pessoa tão bacana também por trás das câmeras.
Bora manter contato!
Em 08 de julho, vem mais newsletter para você. No meio tempo, vem pro papo no podcast@posjovem.com.br e siga o Pós-Jovem no Instagram e no Twitter, além do canal Acesso aos Bastidores do Whatsapp.
É fato que um dia seremos considerados tiozões também. Mas Deus me dibre de virar a pessoa do “não, porque na minha época…”. Credo.