De tudo o que levo de 2024, o que entrou para minha história pessoal foi um processo vivido ao longo de algumas semanas, com cara de algo que cozinhou por anos - a vida toda, talvez - e agora está pronto para ir à mesa. Um processo que uma amiga sagazmente chamou de “crise”, outro amigo adicionou o termo “existencial” e coube a mim saber nomeá-lo de acordo com meu entendimento. Concluí que, ao menos por ora, isso chama “crise da impermanência”.
Trata-se de uma ficha que cai com tudo, depois de saber por uma vida inteira, que “tudo muda o tempo todo no mundo”. Uma coisa é compreender racionalmente que nada é para sempre, e outra bem diferente é o pleno entendimento, de corpo e alma, de que tudo pode mesmo virar de cabeça para baixo da noite para o dia. Dói demais aceitar, por isso, talvez, que a compreensão esteja sempre na superfície.
Talvez a dor não exista pelas mudanças em si, mas pelas perdas que elas trazem. Mudar de casa e/ou bairro implica em não ter mais aquilo que me faz gostar tanto de onde moro hoje, por exemplo, mas sei que esse lugar não é para sempre. Mas é possível também que o incômodo venha pela constatação daquilo que também sempre soubemos: Não temos controle de nada, menos ainda do tempo e sua ação.
Aliás, eu também sou referência do tempo que passa e, cada vez mais, vou lamentar mudanças que vi acontecerem, para o espanto dos mais jovens que conheceram o mundo já assim. Vi derrubarem árvores que eu julguei serem eternas, o lugar que eu sempre ia não existe mais e várias pessoas que me deram as boas vindas ao mundo já não estão mais entre nós. E quem chegar agora não sabe de nada disso.
Será que nosso apreço pela nostalgia - algo que o Pós-Jovem abraçou com força em 2024 - não vem também daí, de um luto compartilhado por uma vida que não temos mais? Lembro de ter lido ali no comecinho da década passada que a cultura hipster - de visual retrô, com bicicletas, câmeras analógicas, discos em vinil e máquinas datilográficas - existia por uma sensação subconsciente e coletiva de que o tempo passava rápido demais (o que a vida online só evidenciou), então havia tentativas de resgatar o passado para que ele durasse só mais um pouquinho. Não ironicamente, a cultura hipster também é hoje algo datado (há quanto tempo você não escutava esse termo?).
A crise da impermanência é o movimento de deixar essa ficha cair com toda a sua força. De sentir o suor ansioso, o frio na barriga e até alguma tontura toda vez que se lembra de que nada disso aqui vai durar para sempre e que tudo vira saudade. Todos os verbos do presente terão outra conjugação, o que eu experimento hoje será só uma lembrança logo menos. E agora?
Não vou abrir mão de buscar o ineditismo do dia a dia (ou da vida, como um todo), até porque a impermanência ensina que “o novo sempre vem”. E sei que é fácil ligar a impermanência de si à mortalidade (o que faz pleno sentido), mas compreendo cada vez mais que, assim como o mundo ao meu redor nunca é o mesmo, eu também mudo o tempo todo - daí o autoconhecimento ser um assunto constante, porque sempre há algo inédito para entender sobre mim.
Vou levar muito comigo de 2024, de conversas inesquecíveis no podcast a tantas coisas que pude realizar, passando pelas mudanças que eu mesmo passei. Me parece, no entanto, que o aprendizado mais precioso, e para a vida inteira, foi esse. Que baita sorte viver tudo isso no fim do ano e às vésperas de fazer 40 anos, porque sinto que esses contextos me dão melhor permissão para falar da crise - faz sentido, não faz?
E no podcast…
Um papo muito especial encerra a sexta temporada do Pós-Jovem. No episódio, Nathália Pandeló e eu recebemos de volta Marianna (#222) para uma conversa sobre o que aprendemos em 2024, o que queremos para o ano novo e muito mais. Tem vários paralelos com o texto acima, mas com as perspectivas, vozes e risadas das duas (sempre ótimas de se escutar!). Sai nesta terça, dia 10, no comecinho da tarde.
Inclusive, em determinado momento do episódio, eu cito Nada Será Como Antes (música que dá nome a esta edição da newsletter) na voz de Alaíde Costa, cantora sobre quem Marianna e eu gostamos muito. Escutei essa versão há relativamente pouco tempo e devo dizer que é tão boa quanto a original de Milton Nascimento e Beto Guedes (uma das músicas da minha vida).
O assunto surgiu quando eu comentei esse som que Marianna lançou no começo do ano e eu gosto demais, com um título que sempre me remete a essa acima.
Bora manter contato!
O podcast entra agora em férias (e a newsletter pega carona nessa) e volta em janeiro, com episódios que já estão sendo gravados (com gente incrível que vocês vão amar). Enquanto isso vem pro papo no podcast@posjovem.com.br e siga o Pós-Jovem no Instagram e no Bluesky, além do canal Acesso aos Bastidores do Whatsapp. Ah, aproveite também para colocar a audição em dia com a playlist de episódios essenciais (e/ou veja se pulou algum de 2024. Muita coisa boa, pode confiar).
"O homem que não estava lá" dos irmãos Coen: o cabelo sempre cresce, foi o que esse texto me fez lembrar.
Dezembro traz muita nostalgia, entendo seu sentimento! Boas férias e bom descanso, que 2025 venha gentil ;)